Porto Alegre, sexta, 19 de abril de 2024
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Artigo: O aumento do fundo eleitoral - 1823 nunca esteve tão perto; por Marcelo Bertoluci*

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Foto: Divulgação

 

Os direitos que o cidadão detém perante o Estado trazem, em contrapartida, deveres que o situam em um espectro coletivo maior. O conjunto disperso de direitos e deveres ganha contornos mediante o funcionamento das instituições democráticas. Assim, o epicentro do desafio não reside na vagueza do conceito de cidadania – cuja abertura deriva do seu caráter dialético –, mas nos modos de operacionalização dos mesmos.

O pensamento jurídico-político brasileiro, ainda que tardiamente, absorveu a doutrina liberal germinada com as revoluções burguesas e consolidadas pelo constitucionalismo moderno, que realocou no povo a titularidade legítima do poder. Entre os documentos simbólicos dessa fase destacam-se a Constituição norte-americana de 1787, e a Constituição francesa de 1791, cujo preâmbulo reproduz a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.

No Brasil, as Constituições de 1824 e 1891 assimilaram as influências desses documentos liberais. Vale o registro (quando o Estado é chamado a intervir) do chamado Estado Social de Direito. Entre os instrumentos normativos que encamparam essa segunda dimensão de direitos, vale destacar a Constituição do México de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919, que repercutiram diretamente na Constituição brasileira de 1934.

Datas à parte, chama a atenção o (ainda recente) debate ocorrido na Assembleia Constituinte de 1823 (na mesma também foi debatida a instalação de universidades em território brasileiro vetadas pela metrópole portuguesa durante o período colonial). Os discursos ecoavam a verve iluminista e os debates, em 1823, refletiam as opiniões dos parlamentares sobre o tema cidadania e sobre o nascente pensamento jurídico brasileiro. Dominava nos debates o elemento cívico de cidadania, adiando as partes atinentes à efetiva proteção dos direitos fundamentais extensivos a todas as pessoas.

Dentre os discursos dos parlamentares no caso brasileiro, verificou-se, em 1823, o debate sobre quais indivíduos seriam considerados cidadãos brasileiros e quais não poderiam. À época, foram estabelecidas verdadeiras “classes” de pessoas. O direito ao voto, por exemplo, era privilégio de alguns. O de ser votado também. A isonomia ainda era algo distante.

Mas por que fazer esse breve passeio ao passado? Porque parece, em alguns temas, que 1823 está ainda presente quando se analisam os privilégios e ainda distante isonomia.

*Marcelo Bertoluci – Advogado, Doutor em Ciências Criminais, Professor da Escola de Direito da PUCRS, Ex-presidente da OAB/RS