Com uma decisão pioneira, o governo do Estado viabiliza, a partir desta segunda-feira (6/12), mais uma representação da pluralidade da população no serviço público gaúcho. O governador Eduardo Leite, a secretária da Igualdade, Cidadania, Direitos Humanos e Assistência Social, Regina Becker, e o procurador-geral do Estado, Eduardo Cunha da Costa, assinaram, na tarde desta segunda (6/12), o decreto que cria cotas para pessoas trans e população indígena em concursos públicos estaduais.
As reservas de vagas são um ato de reparação histórica e social, na qual o Estado encoraja órgãos, públicos e privados, para as ações afirmativas ao exercício dos direitos e das liberdades fundamentais das pessoas sujeitas ao racismo, à discriminação racial e a formas correlatas de intolerância. A criação das cotas, com percentual de 1% das vagas, leva em consideração o histórico de violação dos direitos e exclusão extrema dos povos indígenas e comunidade trans, principalmente nas funções públicas. O decreto também ampliará as cotas para os contratos temporários e, quando cabível, para as seleções de estágio, sem alterar o percentual de cotas já existentes para negros (16%) e pessoas com deficiência (10%).
O decreto encontra respaldo no parecer da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) nº 19.050, que aponta que a média de vida da população trans é de 35 anos, metade da média da população brasileira em geral. Além disso, o Brasil é o país no qual mais pessoas trans são assassinadas.
O parecer nº 19.051 da PGE indica que, em relação aos povos indígenas, o tratamento recebido tem sido marcado por diversas formas de violência por parte da sociedade. Grande parte dos indígenas do Rio Grande do Sul vive em situação de extrema vulnerabilidade social e econômica, e o número de terras indígenas regularizadas no Estado é baixo.
“O governo precisa ser capaz de promover mudanças significativas para a sociedade. Um governo trata de questões que vão muito além de planilhas, orçamentos e investimentos. Nossa responsabilidade ultrapassa muito esse papel de gerenciamento de recursos públicos. Temos a obrigação de olhar para essas questões específicas, promovendo direitos, acesso e qualificação dos serviços públicos. Esse governo tem um olhar especial para a diversidade, com inúmeras políticas afirmativas e de combate ao preconceito, e sabemos o quanto essas populações são vítimas de preconceito na sociedade. Então, essas cotas têm caráter reparatório, simbólico, e de impacto na vida dessas populações, mas também são fundamentais para o crescimento do ponto de vista civilizatório, para que as pessoas aprendam a conviver com as diferenças”, disse o governador.
A secretária Regina reforçou o avanço do Estado à prática da inserção de todos nos espectros social, econômico e cultural com rumo a novos e mais civilizados tempos. “Esta é uma ação afirmativa de grande alcance para essas comunidades vulneráveis e excluídas que, com a pandemia e a crise financeira e política, se tornaram mais vulneráveis e mais excluídas ainda. Sabemos a situação em que se encontram, na atualidade, as pessoas para quem a vida, neste país, nunca foi fácil. Os indígenas, os negros, a população trans, os homossexuais, os idosos, as pessoas com deficiência, as mulheres vítimas de violência doméstica… A lista é grande. Precisamos ser antissegregacionistas e denunciarmos e combatermos a intolerância, seus símbolos, suas práticas, suas expressões e tudo o que naturaliza o preconceito, alienando as pessoas, e impedindo-as de reconhecê-lo, mesmo em si mesmas”, destacou.
“Ao garantirmos a reserva de vagas para indígenas e pessoas trans estamos abrindo um espaço de inclusão destes setores excluídos no serviço que a administração pública deve prestar a todos os cidadãos. Isso é muito exemplar. Ao incluirmos as pessoas, incluímos, também, experiências de vida, que podem auxiliar o Estado na busca de soluções para suas comunidades, soluções mais adequadas, tomadas a partir de uma escuta sobre peculiaridades culturais e diferenças tradicionais”, acrescentou a secretária.
O procurador-geral Eduardo Cunha da Costa afirmou que a política afirmativa representa um marco fundamental no Estado democrático brasileiro. “Cria o espaço devido para pessoas trans e indígenas, sem prejuízo de nenhuma outra população que já tenha direito à cota e da concorrência geral. Traz a correção e o resgate histórico, com segurança jurídica absoluta. O verdadeiro cumprimento da norma constitucional”, reforçou.
“Essa não foi somente uma luta dos povos indígenas, mas de todos os apoiadores que também entenderam a importância da representatividade dessa parcela da população. Sabemos que existe um ataque sistemático de quem nega os direitos básicos para as minorias, e o Estado vem dando este grande passo, mostrando um olhar sensível para o nosso povo que tem, sim, capacidade”, disse o representante da população indígena da etnia kaigang, Marcos Kaigang.
“Para nós, é um privilégio que o nosso Estado leve essa proposta adiante, principalmente para a população trans, sempre excluída. No mercado de trabalho, as cotas farão a diferença e é fundamental do ponto de vista civilizatório. Torcemos para que este seja um exemplo para outros Estados, pois não é apenas interesse das comunidades, mas do público e da sociedade como um todo”, afirmou a representante da população trans, coordenadora do projeto Oportunizar Rede Trans Brasil, Ana Pala Sander.
Também compareceram ao ato de assinatura os secretários Artur Lemos Júnior (Casa Civil), Mauro Hauschild (Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo), Beatriz Araujo (Cultura) e Tânia Moreira (Comunicação), o procurador Henrique Zandoná e o procurador Setorial da PGE Lourenço Orlandini.
Departamento de Direitos Humanos celebra a novidade
O diretor do departamento de Direitos Humanos e Cidadania da Secretaria da Igualdade, Cidadania, Direitos Humanos e Assistência Social (SICDHAS), Otávio Pereira de Lima, lembra que trans e indígenas foram e ainda são submetidos, constantemente, a um conjunto de normas, práticas e comportamentos discriminatórios, tendo seus direitos negados e passando por situações constrangedoras.
“Isso gera uma desvantagem social por causa do preconceito e do estereótipo. A sensibilidade e preocupação do governo em relação à inclusão, igualdade e diversidade convergem com a preocupação de organismos internacionais. A busca pela igualdade compreende-se em uma evolução, onde a primeira fase é a igualdade formal, a qual todos devem ter um tratamento idêntico. Quando, na prática, não é assim, se busca evoluir para a segunda fase, que é a igualdade material, onde a razão é a desvantagem social ou maior ônus para determinado recorte de público”, explicou.
Coordenador de diversidade sexual da SICDHAS, Dani Morethson comemora o olhar do governo para as minorias. “É uma oportunidade para a população de vulneráveis, principalmente para a população de travestis e transexuais. Nós sabemos que muitas e muitos não conseguem se inserir no mercado de trabalho e aqueles que têm formação fazem a busca pelo poder público, mas que por diversos motivos não conseguem a inserção que procuram. Esse olhar do governo é de oportunidade, inclusão e que valoriza a pessoa humana”, disse.
Texto: Carolina Zeni/Ascom SICDHAS
Edição: Marcelo Flach/Secom