Porto Alegre, domingo, 24 de novembro de 2024
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IN DUBIO PRO REO: Palavra de Mariana Ferrer não basta para condenar empresário por estupro, diz juiz; por Sergio Rodas/Conjur

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Em crimes contra a dignidade sexual, a palavra da vítima tem mais peso. Mas não basta para fundamentar uma condenação. Para isso, é preciso que seja corroborada por outras provas.

Influencer acusou empresário de estupro
Reprodução

Por entender que a acusação de estupro contra o empresário André Aranha só é baseada nos relatos da influencer Mariana Ferrer e sua mãe, a 3ª Vara Criminal de Florianópolis o absolveu em respeito ao princípio in dubio pro reo. A decisão é de 9 de setembro.

O Ministério Público de Santa Catarina denunciou Aranha por estupro de vulnerável (artigo 217-A, parágrafo 1º, do Código Penal. Isso pelo fato de o empresário supostamente ter praticado conjunção carnal com Mariana quando ela “não possuía condições de oferecer resistência ao ato”.

A alegação de que a promoter havia sido dopada ou embriagada, contudo, não foi respaldada pelos exames clínicos, pelas câmeras da boate nem pelas pessoas que com ela estiveram. Mariana só se deu conta de que havia sido estuprada, segundo informou, quando chegou em casa.

Na denúncia, o MP-SC afirmou que, em dezembro de 2018, na boate Café de La Musique, em Florianópolis, Aranha, ciente que Mariana, então com 21 anos, era incapaz de oferecer resistência, a levou a um camarote. Lá, segundo a promotoria, teve relação sexual não consensual com a influencer, que era virgem e teve seu hímen rompido.

Porém, em alegações finais, o MP-SC pediu a absolvição do empresário por atipicidade da conduta — argumento semelhante ao de sua defesa.

Relatos de testemunhas
Na sentença, o juiz Rudson Marcos afirmou que, para a configuração do estupro de vulnerável, é necessário que a vítima não tenha condições físicas ou psicológicas de oferecer resistência à investida sexual e que haja dolo na conduta do agressor e ciência da vulnerabilidade do alvo.

O julgador mencionou trecho do livro Direito Penal esquematizado, volume 3: parte especial, artigos 213 ao 359-H (Método), de Cleber Masson. Na passagem, Masson diz a vulnerabilidade tem natureza objetiva. Dessa maneira, a pessoa é ou não vulnerável se reunir ou não as peculiaridades indicadas pelo caput (ser menor de 14 anos) ou pelo parágrafo 1º (“alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”) do artigo 217-A do Código Penal.

Entretanto, Masson deixa claro que nada impede a incidência, quanto a estupro de vulnerável, do erro do tipo, descrito no artigo 20, caput, do Código Penal. O dispositivo tem a seguinte redação: “O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei”. Para o especialista, o erro do tipo não se confunde com a existência ou não da vulnerabilidade da vítima. “Como não foi prevista a modalidade culposa do estupro de vulnerável, o fato é atípico”, diz Masson na passagem citada pelo juiz.

Rudson Marcos apontou que não ficou provado que Mariana Ferrer estava alcoolizada ou sob efeito de droga a ponto de ser considerada vulnerável e não consentir com o ato sexual por não ter capacidade de oferecer resistência.

Marcos destacou que os exames de alcoolemia e toxicológico apresentaram resultado negativo. O juiz também citou que a única testemunha que corroborou a versão de Mariana foi a sua mãe.

“Em que pesem tais relatos, fato é que as testemunhas que estavam na companhia da vítima afirmaram que esta estava consciente durante o período que tiveram contato com a mesma, um ‘pouco alegre’, mas nada demais, nada que demonstrasse estado de inconsciência ou incapacidade, nem mesmo foram alertados pela ofendida de que havia sido violentada”, avaliou o julgador.

Ele ressaltou que Enya Costa Silva Sanches, a primeira pessoa a ter contato com Mariana após ela descer do camarote, contou que as duas “conversaram rapidamente, ela estava bem, normal”. “Aparentava estar bêbada, mas nada fora do normal. Logo em seguida, foi embora.” Enya também disse que a influencer não reclamou de nada e depois foi para outra boate. “Ou seja, neste momento a vítima aparentava estar consciente, comunicou-se com a testemunha, deixou o estabelecimento e não fez qualquer menção de que havia sofrido alguma agressão”, analisou o juiz.

O segurança do Café de La Musique, Gian Pierre Ribeiro, que naquela noite fazia a vigilância do acesso ao camarote, destacou que Mariana e Aranha subiram no camarote juntos e, após alguns minutos, desceram, primeiro ela, momentos depois, o réu. Ribeiro narrou que a influencer desceu em estado normal e não comunicou nenhuma agressão, de acordo com o juiz.

Rudson Marcos opinou que as testemunhas foram “categóricas em afirmar que a vítima, aparentemente, estava consciente e em estado normal no período que permaneceu dentro do Café de la Musique e que, inclusive, ao chegar no estabelecimento 300, igualmente aparentava consciência plena e capacidade motora normal, nenhum sinal de alteração que pudesse levantar qualquer suspeita”.

No Uber de volta para casa, Ferrer ligou para sua mãe e começou a chorar muito, afirmou o motorista Walton Souza Rabbib. A seu ver, ela aparentava estar sob efeito de “algo”, mas não estava bêbada, pois não tinha cheiro de álcool.

A mãe de Mariana, por sua vez, contou que sua filha chegou em casa “totalmente irreconhecível”. Após lhe encaminhar para o banho, a mãe disse que constatou que a influencer tinha sido violentada, porque as suas roupas estavam manchadas de sangue e com forte odor de esperma.

No entanto, os relatos de Mariana e sua mãe não permitem concluir que Aranha praticou estupro, avaliou o juiz. Em sua visão, não há outras provas que embasem a versão de ela não tinha capacidade para consentir com o ato sexual.

“Sendo assim, a meu sentir, o relato da vítima não se reveste de suficiente segurança ou verossimilhança para autorizar a condenação do acusado. Em que pese seja de sabença que a jurisprudência pátria é dominante no sentido de validar os relatos da vítima, como prova preponderante para embasar a condenação em delitos contra a dignidade sexual, nos quais a prova oral deve receber validade maior, constata-se também que dito testemunho precisa ser corroborado por outros elementos de prova, o que não se constata nos autos em tela, pois a versão da vítima deixa dúvidas que não lograram ser dirimidas”, analisou Marcos.

Como as provas são conflitantes, não há como impor ao acusado a responsabilidade penal, pois “melhor absolver cem culpados do que condenar um inocente”, declarou o juiz ao inocentar Aranha com base no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal (“não existir prova suficiente para a condenação”).

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0004733-33.2019.8.24.0023