No momento em que viu pela televisão o ex-juiz e senador eleito Sergio Moro (União-PR) saracoteando de novo ao lado de Jair Bolsonaro, no primeiro debate do segundo turno, o ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht, Alexandrino Alencar, sentiu-se brochético. “Em termos amplos, achei que era uma soma negativa de duas pessoas menores, unidas outra vez por oportunismo. Pareciam dois escorpiões. Mas, em termos de português de rua, pensei: que coisa brochante…”
Sentado em um banco de madeira, com os braços cruzados e as pernas estendidas, Alencar falava de um jeito pausado enquanto lembrava a cena que o deixara tão desanimado. Faltavam onze dias para o segundo turno das eleições e ele estava na arborizada área externa da biblioteca municipal Álvaro Guerra, no Alto de Pinheiros, em São Paulo. Nesse lugar amigável, com grandes portas de vidro, livros organizados com capas à mostra, pufes e mesas coloridas, ele cumpre pena comunitária de 22 horas mensais. “Duas vezes por semana, estou aqui à disposição. Se precisar, fico na recepção ou ajudo em qualquer outra coisa. Quando não me exigem nada, leio.”
Além de marcar presença na biblioteca, o ex-executivo precisa se apresentar à Justiça uma vez por mês e assistir a quarenta horas anuais de aulas sobre compliance. Escolheu cumprir esse naco da pena no Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa. “Eu animo a sala”, conta. “Conheço todos os professores e brinco com eles: ‘Só estou aqui por causa da Operação Lava Jato.’” Alencar já não usa tornozeleira eletrônica, mas ainda está proibido de sair de casa nos fins de semana. E tem mais dois anos de regime aberto pela frente.
Foi Moro quem condenou Alencar, em 2016, a treze anos e seis meses de prisão pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção ativa – pena reduzida para seis anos e seis meses, mais pagamento de multas, depois de um acordo de delação premiada.
Diante dos procuradores, Alencar narrou o período em que foi destacado pela Odebrecht para tratar dos assuntos ligados a Lula. Esmiuçou, entre outras coisas, as despesas que a construtora teve, entre 2010 e 2011, com reformas no sítio em Atibaia usado pelo ex-presidente. O depoimento resultou na condenação de Lula, em 2019, a doze anos e onze meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro na ação sobre o sítio. No ano passado, o STF considerou que Sergio Moro agiu com parcialidade em todas as ações em que atuou contra Lula. O processo do sítio foi, então, anulado.
“E aí Moro reaparece ao lado do Bolsonaro, depois de sair do governo dele fazendo acusações, e fica mais evidente que eu dizia a verdade: eles só queriam pegar o Lula. Eu era só um dos instrumentos que poderiam comprometê-lo”, diz Alencar. “Na época em que negociávamos a delação, o Moro não queria ouvir os executivos das empreiteiras. As nossas presenças eram meramente burocráticas. Ele já tinha tomado todas as decisões, nitidamente. Precisava nos ouvir por dever de ofício e não para esclarecer o julgamento. Mas tudo o que falei sobre minha relação com o Lula era verdade – e era tudo transparente, nada era ilegal.”
Alencar ficou quatro meses preso na carceragem da Polícia Federal, em Curitiba. “Por algum chip cerebral maluco, levei na boa, até porque os outros quatro companheiros da Odebrecht andavam com o astral muito baixo.” Entre eles, estava o ex-presidente da empreiteira, Marcelo Odebrecht, que passava os dias “no mundo dele”. Também estavam na mesma galeria outros presos da Lava Jato, como José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil, e João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT. “Você vê o mundo cão das pessoas, cada um se defendendo, cada um contando suas histórias”, recorda. “Eu lia muito, refletia muito. E não tem jeito, você fica diferente.”
Quando acabou o regime fechado, as duas filhas de Alencar arrancaram dele três promessas: ir a sessões de análise, andar em carro blindado – elas temiam retaliações pelo pai ter feito a delação premiada – e nunca mais falar com Lula. Também pediram para ele não se expor. Mas Alencar resolveu botar a boca no trombone. Em entrevista para o documentário Amigo Secreto, da diretora Maria Augusta Ramos, afirmou pela primeira vez que fora pressionado pelos procuradores da Lava Jato a incluir Lula em seu depoimento, de outra forma não teria redução de pena. Ele diz que, por causa da participação no filme, retomou contatos eventuais com integrantes do PT, inclusive com Lula.
Alexandrino Alencar analisa a Lava Jato como um grande mecanismo eleitoral – e não judiciário. “Não à toa todos os processos estão indo agora para a Justiça Eleitoral; era quase tudo sobre caixa dois”, diz. E mais do que isso, defende ele: as intenções de Moro eram estritamente antipetistas. “A Lava Jato não foi uma operação contra a corrupção. Eu mesmo citei várias e várias pessoas, de vários partidos, que receberam dinheiro de caixa dois, mas elas nem foram processadas. Essa força-tarefa da Lava Jato é um case, é um grupo ideológico que precisa ser estudado. Fui entrevistado por vários desses procuradores, homens de uma agressividade monstruosa, com o beneplácito do Moro e diante da pasmaceira da imprensa, o que me impressiona até hoje. Eles só queriam o PT”, acusa. “E você não pega o PT sem pegar Lula, porque Lula é maior do que o PT, ao contrário de Bolsonaro, que é menor do que o bolsonarismo.”
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