As eleições municipais terminaram. Em 6 de outubro. A vitória do “centrão-direita” já lançou os dados para 2026. O resultado deste domingo não muda, em nada, o tabuleiro. No primeiro turno, o PSD superou, em número de prefeitos eleitos, o MDB. Por ordem, seguem PP e União Brasil. Todos apostadores cautelosos, que distribuem suas fichas conforme o croupier. A lista continua com o PL, Republicanos e PSB. Na 9ª posição, atrás do PSDB, vem o PT. Daqui dois anos, o cenário indica dificuldades para a composição de uma aliança aos moldes de 2022. O anti-bolsonarismo parece ter sido a última cartada do polo progressista. Não sobraram coringas na manga.
Na cidade, onde a vida real acontece, prevalece a insatisfação do brasileiro diante do crescimento econômico, tímido; da maior empregabilidade, informal; da queda da inflação, sem grandes impactos positivos no poder de compra. Parafraseando James Carville (estrategista de Clinton contra Bush, em 1992): “It’s still the economy, estupid”. O elemento novo de 2024 complica ainda mais o jogo: o marçalismo. Recheado de coachismo barato, o discurso de Pablo Marçal promete soluções rápidas (e ilusórias), como um jogo do Tigrinho, para o eleitor empobrecido e frustrado. Lança-se como um legítimo outsider e bagunça o pleito, valendo-se de estratégias midiáticas de fazer inveja nos bolsonaristas mais radicais. Deu all-in e saiu vitorioso mesmo sem chegar ao segundo turno.
No início deste século, em “Modernidade Líquida”, o filósofo e sociólogo polonês, Zygmunt Bauman (1925-2017), já previa o surgimento dos influenciadores à moda Marçal. Muito antes do advento massivo das redes sociais portanto. No atual capitalismo líquido, proposto por Bauman, a autoridade não é mais exclusividade dos governos, dos partidos, das instituições rígidas (sólidas), ao estilo fordista, do século passado. Agora, o consumidor (cidadão, eleitor ou seguidor) a confere por cortesia. Diante de um número tão grande de autoridades, ao ponto de cancelarem-se mutuamente, na era da plena liberdade, elegemos o influencer, e seus próprios valores, como curadores poderosos do nosso comportamento. Nada tão grave, quando tal interferência se limita ao modismo de uma dancinha do Tik Tok, ou à Trend do dia. Já vem causando preocupação, há algum tempo, desde as ondas de cancelamento e da proliferação das Fake News eleitorais e do negacionismo pandêmico. Entretanto, Marçal parece elevar tudo a outro patamar. Explora com competência os sinais desses novos tempos e os faz chegar à esfera política partidária de maneira ainda não experimentada e com reflexos desconhecidos.
Para 2026, ainda que o criador fique inelegível (razões não faltam), a criatura entrou no páreo. E engana-se quem pensa que o marçalismo será um azarão. Iludem-se ainda os que identificam, tão somente, uma divisão na direita.
De fato, há uma evidente disputa. As rusgas entre o coach e a família Bolsonaro, durante a campanha, comprovam. Mas Marçal alcançou também o voto da classe média com menor renda, poucas oportunidades, acesso dificultado a direitos básicos e pressionada pelos impostos.
Se fosse valendo dinheiro, pessoalmente, casaria, “uma em cima da outra”, como a próxima disputa presidencial será um jogo diferente.
Uma rodada de roleta, como em 2022, polarizada apenas entre pretos e vermelhos, termina 2024 com uma odd baixíssima.
Matheus da Silva Giglio
Jornalista e pós-graduando em Ciências Humanas:
Sociologia, História e Filosofia, pela PUC-RS.