Os partidos políticos, no Brasil, são pessoas jurídicas de direito privado. Ponto. Entretanto, seja pela importância de uma prévia para indicar um candidato à Presidência da República por parte de um dos grandes partidos brasileiros, seja pela ótica simples de saber quem paga a conta, o assunto é, definitivamente, do interesse de todos nós. O partido é o Partido da Social Democracia Brasileira, o PSDB. Suas prévias para escolher o candidato a presidente do Brasil, marcadas para o dia 21 passado, viraram notícia por desdobramentos que vão além das razões acima listadas.
Com o cuidado com os tempos verbais e a educação que lhe é peculiar, FHC acertou no diagnóstico: o PSDB, o partido tucano, apequenou-se.
Seria passar atestado de inocência desconhecer as verdadeiras batalhas que acontecem em prévias partidárias, em quase todos os países com eleições livres, para, a seguir, quase unidos, ganharem as eleições. Que o Partido Democrata norte-americano e seu último escolhido, o agora presidente Joe Biden, não nos deixem falando sozinhos. Todavia, a inacreditável suspensão das prévias do PSDB em função de uma falha continuada no aplicativo de votação – espantosamente contratado junto à Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ao custo alegado de R$ 1,3 milhões, e fiscalizado pela Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo – não foi fruto do acaso. Muito menos uma consequência indesejada de embates entre propostas divergentes.
A explicação para o ocorrido está na primeira parte da manifestação do presidente de honra do próprio PSDB, Fernando Henrique Cardoso: “Estamos nos apequenando. O Brasil inteiro acompanha tudo, né? Como podemos governar o Brasil se não conseguimos organizar uma simples votação?” Com o cuidado com os tempos verbais e a educação que lhe é peculiar, o ex-presidente da República acertou no diagnóstico. O PSDB, o partido tucano, apequenou-se.
Apequenou-se quando escondeu, nas campanhas eleitorais subsequentes, os feitos dos governos FHC – notadamente a Lei de Responsabilidade Fiscal, as privatizações e a modernização de nosso assistencialismo.
Apequenou-se quando substituiu a vaidade intelectual de seu presidente de honra pela vaidade mundana das aparências.
Apequenou-se quando esqueceu a obra social e política de Dona Ruth, hoje mais referenciada por adversários do que pelo próprio partido.
Apequenou-se quando substituiu a descabelada militância do deputado cassado Mário Covas, líder da bancada oposicionista em 1968, governador de São Paulo até que o câncer o levasse, por cabelos alinhados diariamente.
Apequenou-se quando instaurou governos estaduais mais preocupados e aderentes às narrativas em voga do que a enfrentar a dura realidade de seus cidadãos.
Apequenou-se quando rejeitou, esquecendo, as realizações de governadores como Covas e Yeda.
Apequenou-se quando aceitou relativizar a ocasião, a prática de dizer verdades.
Apequenou-se quando seus governadores paralisaram a economia, fechando empresas e eliminando empregos, em nome de duvidosas ações de combate à pandemia.
Apequenou-se quando permitiu que projetos de poder pessoal divergentes se legitimassem como se fossem propostas diferentes.
Apequenou-se quando permitiu, ao nível do deboche, a utilização dos recursos públicos do Fundo Partidário para a realização de prévias faustosas: viagens de jatos, montagens de equipes de marketing e pesquisas, hospedagens, jantares, convescotes de toda a ordem – e a ausência, por semanas, dos governadores de suas respectivas cadeiras e obrigações.
Não se apequenou na realização das prévias. Aquela série suicida de trapalhadas é uma consequência. Consequências que, como um dia ouvi de um bem-humorado Fernando Henrique Cardoso, “têm o sério costume de sempre virem depois”.
*Mateus Bandeira, conselheiro de administração e consultor de empresas, foi CEO da Falconi, presidente do Banrisul e secretário de Planejamento do Rio Grande do Sul.
** Artigo publicado originalmente em Gazeta do Povo