Porto Alegre, sábado, 21 de setembro de 2024
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Paixão por vinhos: O inquieto Adolfo Lona investe na criação de uma pequena vinícola em pleno Bom Fim; por Felipe Vieira

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Adolfo Lona é uma referência quando o assunto é vinhos e espumantes no Brasil. O argentino formado em enologia pela Escola Don Bosco em Mendoza, é um dos grandes responsáveis pela qualidade do que produzimos por aqui.  Inquieto, não basta a ele ter escrito seu nome na história da vinicultura nacional, ele segue agitando o mercado com suas ideias e ideais. A novidade da hora é uma Vinícola, em pleno bairro Bom Fim, na Capital Gaúcha, isso depois de mais de quatro décadas da sua chegada em Garibaldi. Lona desembarcou na Serra Gaúcha, logo após empresas estrangeiras como Martini & Rossi, Heublein, Cinzano, Chandon… começarem a perceber as possibilidades de investimento na região. Ele e outros reformularam a indústria brasileira, desde a produção das vinhas a elaboração do vinho. Todas etapas de produção, preservação, o processo de embalar o produto final e sua comercialização no mercado foram revistas, até se chegar a excelência do que se produz nos dias atuais.

O trabalho foi recompensando com a melhoria constante da produção e na década de 1990, com vinhos excepcionais de guarda nas safras 1991, 1994 e 1999 do ‘Baron de Lantier’. Após melhorar a qualidade do produto, ele se dedicou a ensinar os brasileiros a beber vinhos e espumantes, em cursos onde encantava os alunos com informações, ‘charme castellano’ e muito bom humor. Eu fui um desses aprendizes, muito do pouco que sei devo ao mestre. Sou fã dos seus canais nas redes sociais, onde ele segue levando conhecimento sob o título “Vinhos sem frescura”.  Incansável, há algum tempo criou rótulos com o próprio nome e um muito especial homenageando a esposa ‘Silvia”. O melhor é que a carta cheia de opções tem preços para todos os bolsos.

Lona iniciou a produção dessa linha própria de vinhos espumantes em Garibaldi, numa adega especialmente equipada para uma quantidade pequena, artesanal. Hoje em dia, além do Rio Grande do Sul, a Adolfo Lona tem representação comercial em vários estados brasileiros. Eu sou fã, mas estou na boa companhia de vários colegas jornalistas especializados no assunto. Por exemplo, a sommelier Elaine de Oliveira, que assina a coluna “Boa de Copo”, da revista Marie Claire, elogia o Adolfo Lona Brut Rosé, elaborado com uvas Pinot Noir e Chardonnay pelo método Charmat.

Pois depois de produzir para multinacionais, criar sua marca, ensinar milhares de pessoas a degustar vinhos e espumantes, ele adere a uma tendência encontrada em algumas das maiores cidades da Europa, as vinícolas urbanas, onde elas já são realidade faz bastante tempo. Em Porto Alegre, mais de uma iniciativa já está funcionando a pleno vapor. Além de uma loja física, os consumidores também podem fazer uso do e-commerce, e mesmo as redes sociais, embora essas modalidades ainda representem uma pequena porcentagem do faturamento mensal.

Meu amigo Lona, pertence àquela velha guarda que aposta no contato direto com os consumidores. Ele inaugurou a sua bodega urbana no bairro Bom Fim (rua Vasco da Gama, 735), onde há uma sala para a visita agendada de pequenos grupos, com degustação e bate-papo, momento em que os visitantes recebem informações sobre os produtos. Embora os espumantes elaborados no método Charmat continuem vinificados na região serrana, por meio de parceria com a vinícola Aurora, Lona montou na capital gaúcha a estrutura necessária à elaboração dos produtos premium, por meio do método Champenoise.

Confira minha conversa com o enólogo argentino:

F.V – O nome Adolfo Lona é uma referência, quando falamos em vinhos e espumantes. Por mais de 30 anos, trabalhaste como diretor técnico de uma grande vinícola. Tua “escola” nesse ramo, por óbvio, deve ser anterior a isso. Poderias nos contar um pouco sobre como nasceu essa paixão, que se mistura a tua história de vida?

A.L – Eu pertenço a uma família de sete irmãos, pai de descendência francesa e mãe descendente de italianos, somos argentinos e, como bons argentinos, em nossa cultura gastronômica temos o vinho como bebida preferencial para acompanhar as refeições. Depois que a minha mãe ficou viúva, um dos meus irmãos foi estudar em Mendoza e nós continuamos em Buenos Aires. Ele era aluno de agronomia, mas outros dois foram estudar enologia e, aos dez anos, também fui morar na cidade.

Estudei e me formei enólogo num curso técnico. Logo em seguida, fui trabalhar numa cantina e, enquanto isso, um dos meus irmãos tornou-se célebre enólogo, responsável por muitos projetos exitosos e o nome da família também passou a ser associado à produção vinícola. Então, fui trabalhar com ele e, em princípio, haviam me designado para o trabalho que achei, equivocadamente, uma espécie de castigo. Porém, ao contrário, logo entendi que estava no local mais apropriado para aprender o ofício, limpando pipas e tonéis, centrífugas. Tarefas cotidianas no mundo da enologia e o bom profissional precisa conhecer todos os detalhes do processo.

Depois disso, em 1972, fui selecionado aos 24 anos para vir ao Brasil, em Garibaldi, onde se iniciou a minha trajetória profissional, na extinta Delantier. Aprendi a fazer espumantes com um francês da região de Champagne, contratado especialmente para desenvolver o produto gaúcho.

F.V – Partir para o empreendedorismo pressupõe, além de experiência, um certo investimento financeiro. Sem falar em números, mas em equipamentos e estrutura, considerando que nem todos os leitores do site são conhecedores do tema, tu poderias nos contar de forma simplificada, na medida do possível, que tipo de equipamentos são necessários? E as instalações?

A.L – A profissão torna-se uma paixão quando fazemos o que gostamos e obtemos resultados positivos. O vinho depende de uma matéria-prima que muda ano a ano, então é uma atividade que exige experiência do enólogo, muitas vezes considerado “chato” pelo seu elevado nível de exigência ao longo da cadeia produtiva. Vinho não é uma fórmula matemática, não é uma receita, depende de matéria-prima que muda anualmente.

Em minha carreira, desenvolvi alguns vinhos inesquecíveis, como o Barão de Lantier. E isso facilitou a minha abertura, digamos assim, como produtor em 2004, trabalhando somente com os meus familiares. Eu tinha pouco mais de 50 anos, quando se iniciou esse processo em torno de uma marca própria.

Se falarmos apenas em espumantes, o investimento para a produção no método Charmat, por exemplo, pressupõe recursos de vulto, levando em conta a pequena quantidade que produzo. Então, eu tenho 18 produtores parceiros que me fornecem a matéria-prima vinda de várias regiões, em três variedades. Chardonnay, Pinot Noir e Merlot, as três variedades de uva que trabalhamos. O espumante é feito nas dependências da Aurora, nossa grande parceira. Ele têm um corpo técnico maravilhoso, profissionais de primeira linha. Com o equipamento e o pessoal deles, consigo fazer o que idealizo.

No outro método, o investimento é maior em tempo, não tanto em equipamentos. O maior volume de recursos investidos, talvez, tenha sido a compra da ‘rolhadeira’, atualmente um equipamento bastante sofisticado. E nós esperamos que os espumantes ganhem a complexidade que nossos clientes desejam. Muito pouco de instalação, e bastante de maturação (12, 18, 24 meses). O Charmat, com a parceria da Aurora, obtemos em seis meses. O mínimo de ativos e bons parceiros, essa é a fórmula do nosso trabalho.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

F.V – A questão do tempo, maturação, mais as condições atmosféricas, sobretudo no armazenamento de vinhos e espumantes, são fundamentais. O leigo é acostumado a ouvir falar em “vinho jovem”, embora não saiba explicar o que significa. Existe isso também nos espumantes? O ciclo de produção dos teus espumantes é superior aos habituais: cento e oitenta dias para o método Charmat e dezoito meses para o método tradicional. Podes nos falar um pouco a respeito?

A.L – De fato, o tempo é fundamental. As pessoas que ainda não estão acostumadas à cultura do vinho, via de regra, têm dificuldade em diferenciar os conceitos e propriedades de um vinho jovem, ou amadurecido e envelhecido. O jovem é aquele destinado a ser consumido rápido, precisa frescor e deve ser fácil de beber, porque também irá acompanhar pratos simples. No caso de alguns espumantes, fazemos o vinho específico e o guardamos por até dois anos. É difícil que tenha alguém produzindo Charmat como o nosso tempo de maturação.

F.V – O brasileiro é um grande consumidor de cerveja. De que forma os vinhos e espumantes estão inseridos nesse mercado, que também disputa com os destilados? É possível dizer que o consumo de vinhos e espumantes vem crescendo, ano a ano, na preferência nacional?

A.L – No Brasil, o espumante ainda está associado a grandes festividades, sobretudo as festas no final de ano. As pessoas não têm o hábito de celebrar os pequenos momentos e as coisas do dia a dia, que também merecem celebração.

É uma questão de hábito cultural. Cerveja é uma cultura difícil de erradicar, e também não é um concorrente, porque trata-se de um estilo de beber e tem muito a ver com o perfil do brasileiro, povo alegre e festivo. Já o argentino é mais melancólico e, como tal, tende a consumir o vinho. Os espumantes crescem mais no mercado, na comparação com o vinho. E o consumo continuará crescendo. Ao contrário dos vinhos finos, cujos importados são consumidos majoritariamente, o espumante nacional vende mais do que o importado, porque o brasileiro já sabe que pode encontrar bons produtos, sem depender de importados. Essa é uma preferência que se consolida, por causa da alta qualidade e dos preços muito acessíveis em bons produtos.