Em uma homenagem recebida na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, Alécio Ughini, falou sobre sua trajetória, ideais e ideias.
“Inicio este meu pronunciamento repetindo versos que balizam meu livre arbítrio:
‘Na primeira noite eles se aproximam / e roubam uma flor do nosso jardim, / e não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem, / pisam as flores,/matam nosso cão, / e não dizemos nada.
Até que um dia, / o mais frágil deles, entra sozinho em nossa casa, / rouba-nos a luz e, conhecendo nosso medo,/ arranca-nos a voz da garganta, /e já não podemos dizer nada.’
Honrado com a distinção que a Câmara Municipal me outorga, como Cidadão Emérito de Porto Alegre, sinto a necessidade de agradecer a esta Cidade pela acolhida carinhosa com que me gratifica há tantos anos.
Esta é uma valiosa oportunidade, para que, em público, venha eu reafirmar algumas convicções pessoais, que, de certa forma, pretende justificar esta homenagem. Sou um cidadão comprometido com o bem-estar coletivo. Como empresário, permaneço atento às lutas e reivindicações do comércio, da indústria e da área de serviços, defendendo-as nas entidades de classe e nos veículos de comunicação.
Como porto-alegrense adotivo, continuo voltado às aspirações comunitárias, apoiando clubes de serviços, entidades empresariais e filantrópicas ou nelas atuando. Desde estudante fui e continuo sendo um gaúcho plenamente integrado à comunidade.
Foram os tempos do Grêmio Estudantil Rosariense; passando pelo Centro Acadêmico de Direito Maurício Cardoso, da PUC; às voltas com à Associação Comercial de Porto Alegre; Federasul; Clube dos Diretores Lojistas; Federação das Indústrias; Federação do Comércio Atacadista; Sindicato dos Lojistas; Sindicato do Comércio e Armarinhos; Serviço Social do Comércio – SESC; Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC; Associação de Dirigentes Cristãos de Empresa; Centro de Integração Empresa Escola; e na área esportiva, recebi com orgulho a medalha de Primeiro Campeão do Brasil, como Vice-Presidente de Finanças do Sport Club Internacional, nos idos de 1975.
Ao contrário do que muitos imaginam, minha adesão à vida comunitária jamais teve qualquer interesse político-eleitoral, embora fosse sumamente honroso participar das lides político-partidárias.
E, a maior luta a que me entrego hoje é a defesa de melhores condições de vida para a classe trabalhadora brasileira, tão desassistida sob qualquer ponto de vista que possa ser examinado. Neste sentido, como ilustração, lembro, com saudades, um fato pitoresco e distante há vários calendários. A imprensa do centro do País noticiava a luta empresarial para elevar o preço do saco de cimento que, nos termos usados hoje, deveria estar tabelado, com liberdade vigiada ou monitorado.
Esqueço os nomes e os detalhes menores, mas sei que veio a vitória, com o beneplácito do governo: o saco de cimento seria reajustado de três em três meses.
Já o salário mínimo só era atualizado uma vez por ano, em primeiro de maio. O jornal publicou o meu revoltado protesto, àquela época, em cujas linhas trazia este recado: como pode um saco de cimento ser muito mais valorizado que o trabalho humano? Salário é base de sobrevivência para milhões de pessoas. Para mim, cometia-se, assim, uma ignomínia. É evidente que meu protesto não influiu na decisão, mas vi, com prazer, passado pouco tempo, que os salários foram alterados semestralmente e, logo após, trimestralmente, assim como o saco de cimento.
Hoje, continuo negando a velha e surrada tese de que o salário é a causa da inflação. Se o fosse, a inflação brasileira seria negativa, tamanho é o arrocho salarial dos últimos anos. É supinamente ridículo dizer que 50 ou 60 dólares mensais sejam os culpados pelo aumento da inflação. É apenas um detalhe, mas não é hora e local para debater estas teses.
Embora devo ainda dizer, em apoio ao meu posicionamento, que nós suportamos 70% de aumento no Fundo de Investimento Social – FINSOCIAL; 90% de redução no prazo dos Impostos; 100% de aumento nos juros; 100% de aumento nos preços do barril de petróleo; adaptamo-nos a uma inflação de 1% ao mês da mesma forma como a uma inflação de 84%.
Resistimos a tabelamentos, congelamentos, descongelamentos, Superintendência Nacional do Abastecimento – SUNAB, e Polícia Federal. Mas quando falam em salário, pasmem, qualquer alteração será o caos, a catástrofe, a hiperinflação, as concordatas, as falências, enfim, nada mais, nada menos que o dilúvio. Que mistério insondável! Que tabu odioso, que haveremos de derrubar!
Em função dessas e de outras posições, muitos associam ao nome de Alécio Ughini adjetivos como polêmico, contraditório, irônico e agressivo, julgando meu desempenho social. Aceito um pouco de todos eles, mas posso proclamar, com satisfação, que meus juízes jamais me acusaram de oportunista, aproveitador ou demagogo, por tentar beneficiar-me de algumas situações.
Aparentemente antagônicas, às vezes, algumas posturas minhas, pelo contrário, me trouxeram mais aflições, desapontamentos e frustrações do que vantagens. Nunca as usei visando conquista de poder político. Sou sim, um eterno candidato a ser cada vez mais humano e servir, com mais motivação, à comunidade, da qual sou grande devedor.
E me sinto emocionado, portanto, com a honraria que me confere a Câmara de Vereadores, através de proposição do nobre Ver. Clóvis Brum.
Se estou unido às lutas comunitárias, não posso deixar de citar outra união muito importante na minha vida. O casamento com a Laci, há quase 25 anos. Mulher de empresário e advogada trabalhista, somente de empregados, é uma outra faceta sui generis do meu perfil, perfeitamente compatível com minha personalidade.
Recebermos juntos a honra da cidadania porto-alegrense não é, indiscutivelmente, motivo de uma grande alegria? Daniela e Silvio Neto, meus filhos, devem estar, também, orgulhosos, perdoando nossas freqüentes ausências no aconchego do lar, pelo menos nos dias considerados úteis da semana.
Silvio e Irene, meus pais, agora domiciliados em outra esfera da vida, devem estar acompanhando esta cerimônia, para nós inesquecível. Sou grato a eles, bem como aos demais membros de nossa empresa familiar, que geralmente aplaudem, mas, às vezes, apenas toleram as minhas ausências do meu local de trabalho, única e exclusiva fonte de meus rendimentos.
Agradecido a tantos, repiso a certeza de que continuarei apoiando o que penso deva ser apoiado; criticando o que deva ser criticado e, principalmente, mudando de opinião, com a maior facilidade e tranqüilidade possível, quando algum argumento mais forte me for convincente. Não faz parte dos meus princípios aprovar medidas para agradar, bem como jamais farei esforços para rejeitar propostas, apenas por interesse pessoal.
Lutarei sempre para buscar uma fórmula em que o regime, dito capitalista em que vivemos, refaça alguns critérios, aperfeiçoe certos desenhos característicos da tal modernidade e reexamine várias de suas coordenadas. Os resultados dos esforços de todos, nesse sentido, devem convergir para que se conquiste um pouco mais de dignidade ao sofrido e paciente povo brasileiro.
É, pois, verdadeiro, que ninguém vai arrancar a voz da minha garganta, como nunca arrancaram. E estou sempre vigilante, colocando o máximo que puder no mínimo que fizer, fiel, aliás, ao lema de minha formatura ginasial: põe o máximo que és, no mínimo que fazes. Passadas décadas, esse lema continua como uma das diretrizes para minha história individual.”