Porto Alegre, terça, 26 de novembro de 2024
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O South Summit e a reinvenção de Porto Alegre

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Cais Mauá recebeu mais de 20 mil pessoas durante o South Summit Brasil. Giulian Serafim/PMPA

 

 

Crises são superadas com ideias. Há dez anos, buscando reverter o quadro de estagnação econômica e retração nos negócios que caracterizava a Espanha, a aposta no empreendedorismo e na inovação deu origem ao South Summit. Passada uma década, a iniciativa se tornou referência internacional. Ao desembarcar em terras brasileiras, coube a Porto Alegre a missão de sediar o evento.

Assim como no ecossistema de inovação, essa conquista se deu através do trabalho em conjunto. A conexão entre público e o privado, entre o mercado e a academia, foi um diferencial para a escolha da capital gaúcha. O resultado dessa parceria se tornou realidade nesta semana, quando os armazéns do Cais Mauá ganharam vida com a chegada de milhares de profissionais, estudantes, empreendedores e investidores interessados em prospectar boas oportunidades de negócios e construir um futuro mais colaborativo e sustentável.

“Os próximos 250 anos de Porto Alegre começam agora”. A frase entusiasmada dita pelo prefeito Sebastião Melo na cerimônia de encerramento reflete a importância do evento. O South Summit Brasil foi realizado no momento em que o mundo se reergue após dois anos de pandemia e, coincidentemente, no início de um intenso processo de ressignificação e transformação urbana em Porto Alegre. Ressignificação que parte da inserção definitiva da cidade no cenário global da inovação, tema prioritário para o Executivo Municipal.

Hoje, a capital dos gaúchos sabe o que quer e possui um projeto. Esse projeto passa por oferecer um ambiente de negócios atrativo e qualificado, pela sua transformação em um polo para o desenvolvimento de startups e por garantir competitividade àqueles que já estão instalados no município.

A Prefeitura de Porto Alegre (PMPA) compreende que, acima de tudo, inovação se faz com pessoas. Sendo assim, o poder público tem feito a sua parte, combatendo a burocracia excessiva e lançando iniciativas que dialogam com essa nova economia, cujo principal ativo é o capital humano. “Em nossa gestão, acreditamos que a liberdade é fundamental para que a inovação possa acontecer. Por isso, buscamos proporcionar um ambiente favorável, sendo uma cidade amiga de todos os perfis de empreendedores”, assegurou o vice-prefeito Ricardo Gomes em seu painel, realizado na quinta-feira, 5.

Passado o evento, ficam algumas lições e muitas certezas. Muitas delas reforçam que a mobilização para tornar Porto Alegre uma referência para a América Latina é um esforço válido, cujos resultados podem ser aferidos inclusive em outros setores, como as redes hoteleiras, de bares e de restaurantes da Capital. São observações relevantes e que precisam ser feitas, pois justificam todos os investimentos para tirar do papel o projeto.

O potencial do ecossistema – Ao longo de três dias, cerca de 20 mil pessoas, vindas de mais de 50 países, estiveram presentes no Cais Mauá. Quatrocentos e cinquenta investidores, representando fundos que gerem mais de U$ 60 bilhões, prospectaram negócios ao mesmo tempo em que 500 palestrantes – 30% deles, mulheres – compartilharam conhecimento e estabeleceram conexões que possuem o potencial de se tornarem novas iniciativas na área de tecnologia e inovação. “É a primeira vez que vemos no Brasil um evento desse porte. Nunca tivemos algo tão global”, afirmou o presidente do South Summit Brasil, José Renato Hopf. “Hoje, fizemos história. Definitivamente, o Rio Grande do Sul é o nosso lugar na América Latina”, concluiu María Benjumea, fundadora do South Summit e mais nova cidadã de Porto Alegre.

O cais precisa ter vida – Não há como negar que um dos principais acertos do South Summit Brasil foi a escolha dos armazéns do Cais Mauá para sediar o evento. O espaço amplo à margem do Guaíba chamou a atenção de todos os participantes, sejam eles estrangeiros ou porto-alegrenses que nunca tiveram a oportunidade de se conectar com aquela parte da cidade. “O local é demais. Isso é importante, sabe? Há eventos que focam no ambiente corporativo, naquilo que serve para eles. Mas aqui você tem o brilho da cidade, o pôr do sol muito bonito. Isso faz a união com o fator local, o que é excelente”, destacou Tracy Mann, embaixadora do South by Southwest (SXSW), conjunto de festivais de cinema, música e tecnologia que ocorre anualmente nos Estados Unidos.

Para a próxima edição, os organizadores já sabem o que precisa ser alterado. O planejamento tem início a partir da própria experiência e levará em conta fatores como a chuva, acessibilidade e a ampliação dos espaços – talvez com a ocupação de mais armazéns. A PMPA, desde já, se soma aos esforços para que o South Summit Brasil 2023, que ocorrerá na semana do aniversário de Porto Alegre, seja ainda melhor. “Estamos irmanados e vamos de mãos dadas construir um evento em mais galpões e com um número ainda maior de pessoas”, garantiu Melo.

Polo de inovação – Porto Alegre é o coração de um Estado forte, que possui economia consolidada. Uma metrópole localizada em posição estratégica no continente, o que facilita o intercâmbio com algumas das principais cidades da América Latina. A capital gaúcha é sede de universidades que apostam na união entre pesquisa, inovação, tecnologia e empreendedorismo. É a casa do Poa.hub, do Pacto Alegre, do Instituto Caldeira, de parques tecnológicos efervescentes e de dezenas de articulações socioeconômicas bem-sucedidas, iniciativas que revertem em benefícios diretos à comunidade.

O resultado desse trabalho intenso e que possui o apoio de diversos setores foi a presença de três startups locais entre as campeãs da competição internacional realizada ao longo dos três dias de South Summit Brasil. A YoursBank, instalada no Instituto Caldeira, foi a grande vencedora. Outras duas startups porto-alegrenses também foram premiadas: Pix Force (categoria startup mais inovadora) e A-Prix (startup melhor time).

A inovação é de todos e para todos – A tecnologia é apenas um componente do ecossistema de inovação. Sem oferecer soluções aplicáveis para problemas reais, o ecossistema não possui razão de existir. Diversos painéis debateram de que forma isso pode se tornar realidade, jogando luz sobre questões como diversidade e a necessidade de utilizar esse novo modelo de negócios para melhorar a vida das pessoas. “Inovação tem que promover transformação social para os que mais precisam e dar oportunidade de mais dignidade a todos os cidadãos”, defendeu o prefeito Sebastião Melo na abertura oficial do South Summit Brasil.

Essa postura também pode ser observada nas falas de pessoas como Celso Athayde, CEO do Favela Holding, grupo que conta com mais de 20 empresas que fomenta o empreendedorismo em favelas. Através do seu fundo de investimentos, R$ 50 milhões serão aportados na estruturação de negócios nas comunidades, alavancando iniciativas que dialogam com a realidade de uma parcela da população que não possui acesso a bens e serviços desenhados para as suas necessidades. “A favela tem que ter dinheiro. As empresas, por mais que queiram, não conseguem atender a essa demanda”, explicou o fundador da Central Única das Favelas (Cufa). “Nunca concordei com o termo ‘comunidade carente’. Isso traça uma linha entre quem precisa e quem merece. As favelas consomem e geram riqueza, movimentando mais de R$ 130 bilhões anualmente. Isso é potência”, acrescentou. Em 2021, Athayde foi eleito o empreendedor social do ano pela Fundação Schwab. Agora, passará a integrar a comunidade de inovadores sociais ligada ao Fórum Econômico Mundial.

Outra case de destaque foi o Afroya Tech Hub, de Porto Alegre. A iniciativa é voltada para inserção, desenvolvimento e ascensão de negros e negras na indústria de tecnologia e inovação. O trabalho do Afroya foi apresentado na quarta-feira, 4, pela CEO, Andreza Rocha. Ela falou sobre os desafios de preparar lideranças negras para um mercado de alta competitividade, mas que ainda sofre com a falta de diversidade. “Eu sou a única pessoa com esse fenótipo específico aqui no painel, seja no palco ou na plateia. E isso é naturalizado nesse país. É preciso mudar esse quadro, onde pessoas negras não se veem representadas mesmo quando consomem, investem, geram empregos e renda”, frisou.