Porto Alegre, terça, 01 de outubro de 2024
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Decisão da Sexta Turma do STJ Garante Salvo-Conduto para Pacientes Cultivarem Cannabis com Fins Medicinais, por Walther Afonso Silva

Detalhes Notícia
Marco Jurídico na Permissão do Cultivo de Cannabis para Extração de Óleo Medicinal pelos Pacientes - RHC/SP 147169

 

 

Sexta Turma dá salvo-conduto para pacientes cultivarem Cannabis com fim medicinal, sendo por unanimidade, que concedeu salvo-conduto para garantir a três pessoas que possam cultivar Cannabis sativa (maconha) com a finalidade de extrair óleo medicinal para uso próprio, sem o risco de sofrerem qualquer repressão por parte da polícia e do Judiciário [1].

A decisão foi resultado do julgamento de dois recursos sobre o tema, um de relatoria do ministro Rogerio Schietti Cruz e outro do ministro Sebastião Reis Júnior. O colegiado concluiu que a produção artesanal do óleo com fins terapêuticos não representa risco de lesão à saúde pública ou a qualquer outro bem jurídico protegido pela legislação antidrogas.

Os casos julgados pela turma dizem respeito a três pessoas que já usam o canabidiol – uma para transtorno de ansiedade e insônia; outra para sequelas do tratamento de câncer, e outra para insônia, ansiedade generalizada e outras enfermidades – e têm autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para importar a substância. No entanto, elas alegaram dificuldade para continuar o tratamento, em razão do alto custo da importação.

O ministro Schietti ressaltou que, uma vez que a produção artesanal do óleo da Cannabis sativa se destina a fins exclusivamente terapêuticos, com base em receituário e laudo assinado por médico e chancelado pela Anvisa ao autorizar a importação, “não há dúvidas de que deve ser obstada a repressão criminal” sobre a conduta dessas pessoas.

Já o ministro Sebastião Reis Júnior destacou que as normas penais relativas às drogas procuram tutelar a saúde da coletividade, mas esse risco não se verifica quando a medicina prescreve as plantas psicotrópicas para o tratamento de doenças.

Em um dos casos analisados, o Ministério Público Federal recorreu ao STJ após o Tribunal Regional Federal da 3ª Região conceder habeas corpus preventivo para permitir o plantio da maconha e a produção artesanal do óleo. O órgão de acusação alegou, entre outros pontos, que o habeas corpus não seria a via processual adequada para esse tipo de pedido, pois a falta de regulamentação de tais atividades seria uma questão eminentemente administrativa.

Schietti afastou a necessidade de produção de provas, tendo em vista que os pacientes apresentaram provas pré-constituídas de suas alegações, como o fato de estarem autorizados anteriormente pela Anvisa para importar medicamento com base em extrato de canabidiol para tratar doenças comprovadas por laudos médicos. O ministro lembrou que o STJ já decidiu que o fornecimento de medicamentos pode ser determinado com base em laudo subscrito pelo próprio médico que assiste o paciente, sem necessidade de perícia oficial.

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Schietti destacou que, embora a legislação brasileira possibilite, há mais de 40 anos, que as autoridades competentes autorizem a cultura de Cannabis exclusivamente para fins medicinais ou científicos, a matéria ainda não tem regulamentação específica. Ele ressaltou que a omissão dos órgãos públicos torna inviável o tratamento médico prescrito aos pacientes, devido ao alto custo da importação, a irregularidade no fornecimento do óleo nacional e a impossibilidade de produção artesanal dos medicamentos prescritos.

Os ministros concluíram que a conduta de cultivo da planta psicotrópica para extração de canabidiol para uso próprio não é penalmente típica, pois não há dolo de preparar substâncias entorpecentes e não há lesividade à saúde pública ou a qualquer outro bem jurídico protegido pela legislação. Ao contrário, a intenção desse cultivo é promover a saúde, a partir da extração de produtos medicamentosos.

Com isso, a Sexta Turma do STJ concedeu o salvo-conduto aos pacientes, permitindo o cultivo de Cannabis sativa com a finalidade de extrair óleo medicinal para uso próprio, sem o risco de sofrerem qualquer repressão criminal. A decisão reconheceu a necessidade do tratamento e a falta de risco à saúde pública, considerando o direito à saúde dos pacientes e a finalidade exclusivamente terapêutica do cultivo da maconha.

EMENTA DA DECISÃO:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. SALVO-CONDUTO. CULTIVO ARTESANAL DE CANNABIS SATIVA PARA FINS MEDICINAIS. PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA, FRAGMENTARIEDADE E SUBSIDIARIEDADE. AUSÊNCIA DE OFENSA AO BEM JURÍDICO TUTELADO. OMISSÃO REGULAMENTAR. DIREITO À SAÚDE. 1. O Direito Penal é conformado pelo princípio da intervenção mínima e seus consectários, a fragmentariedade e a subsidiariedade. Passando pelo legislador e chegando ao aplicador, o Direito Penal, por ser o ramo do direito de mais gravosa sanção pelo descumprimento de suas normas, deve ser ultima ratio. Somente em caso de ineficiência de outros ramos do direito em tutelar os bens jurídicos é que o legislador deve lançar mão do aparato penal. Não é qualquer lesão a um determinado bem jurídico que deve ser objeto de criminalização, mas apenas as lesões relevantes, gravosas, de impacto para a sociedade. 2. A previsão legal acerca da possibilidade de regulamentação do plantio para fins medicinais, art. 2º, parágrafo único, da Lei n. 11.343/2006, permite concluir tratamento legal díspar acerca do tema: enquanto o uso recreativo estabelece relação de tipicidade com a norma penal incriminadora, o uso medicinal, científico ou mesmo ritualístico-religioso não desafia persecução penal dentro dos limites regulamentares. 3. A omissão legislativa em não regulamentar o plantio para fins medicinais não representa “mera opção do Poder Legislativo” (ou órgão estatal competente) em não regulamentar a matéria, que passa ao largo de consequências jurídicas. O Estado possui o dever de observar as prescrições constitucionais e legais, sendo exigível atuações concretas na sociedade. 4. O cultivo de planta psicotrópica para extração de princípio ativo é conduta típica apenas se desconsiderada a motivação e a finalidade. A norma penal incriminadora mira o uso recreativo, a destinação para terceiros e o lucro, visto que, nesse caso, coloca-se em risco a saúde pública. A relação de tipicidade não vai encontrar guarida na conduta de cultivar planta psicotrópica para extração de canabidiol para uso próprio, visto que a finalidade, aqui, é a realização do direito à saúde, conforme prescrito pela medicina. 5. Vislumbro flagrante ilegalidade na instauração de persecução penal de quem, possuindo prescrição médica devidamente circunstanciada, autorização de importação da ANVISA e expertise para produção, comprovada por certificado de curso ministrado por associação, cultiva cannabis sativa para extração de canabidiol para uso próprio. 6. Recurso em habeas corpus provido para conceder salvo-conduto a Guilherme Martins Panayotou, para impedir que qualquer órgão de persecução penal, como polícias civil, militar e federal, Ministério Público estadual ou Ministério Público Federal, turbe ou embarace o cultivo de 15 mudas de cannabis sativa a cada 3 meses, totalizando 60 por ano, para uso exclusivo próprio, enquanto durar o tratamento, nos termos de autorização médica, a ser atualizada anualmente, que integra a presente ordem, até a regulamentação do art. 2º, parágrafo único, da Lei n. 11.343/2006. (STJ – RHC: 147169 SP 2021/0141522-6, Data de Julgamento: 14/06/2022, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/06/2022)
RESUMO EM TÓPICOS:

Tese superada: A tutela da saúde da coletividade como argumento para restringir a produção artesanal de óleo de Cannabis sativa com fins terapêuticos.

Teses a nosso favor: A conduta de produção artesanal do óleo de Cannabis sativa com fins terapêuticos não é penalmente típica, não representando risco à saúde pública ou a outros bens jurídicos protegidos pela legislação antidrogas.

Dificuldades encontradas: Alto custo da importação do óleo, falta de regulamentação específica sobre a produção artesanal e irregularidade no fornecimento do óleo nacional.

Objetivo: Extrair óleo medicinal para uso próprio, sem risco de repressão policial ou judicial. A produção artesanal do óleo de Cannabis sativa é destinada exclusivamente para fins terapêuticos, com base em receituário e laudo médico chancelado pela Anvisa.

Patologias de abertura: Transtorno de ansiedade e insônia, tratamento de câncer, ansiedade generalizada e outras enfermidades.

Requisitos: Autorização da Anvisa para importar a substância e laudo médico que dispensa a realização de perícia. A produção artesanal deve ter fins medicinais ou científicos.

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