O tema da igualdade salarial de gênero tem recebido atenção global crescente, marcado por legislações que buscam corrigir disparidades históricas. No Brasil, a Lei nº 14.611/2023 aborda a questão, estabelecendo obrigações para os empregadores que visam garantir critérios iguais de remuneração entre homens e mulheres. Esse processo acaba por impulsionar discussões sobre como as práticas corporativas podem ser aprimoradas para promover a equidade efetiva.
Apesar dos avanços legais, a realidade ainda é desafiadora. Um exemplo ilustrativo é o de uma empresa que recebeu a certificação global Equal Salary para atestar que homens e mulheres na mesma função recebem salários equivalentes de acordo com suas responsabilidades, experiências e formação. No entanto, os relatórios de transparência salarial do Ministério do Trabalho, que se concentram em destacar as diferenças médias de salários entre os gêneros, indicam que, nessa mesma empresa, mulheres ainda ganham 10% menos que os homens.
Este caso revela uma discrepância entre a legislação e as certificações internacionais de equidade e enfatiza a complexidade do tema. A nova lei amplia a transparência sobre salários e critérios de remuneração, buscando alcançar benefícios sociais e culturais. Contudo, o texto por si só não é suficiente, como mostram exemplos internacionais.
É o caso do Reino Unido, que, apesar de ter uma legislação semelhante em vigor por quase uma década, ainda registra queda nos rankings internacionais de igualdade de gênero. Isso sugere que as práticas corporativas e os comportamentos sociais continuam a perpetuar as desigualdades.
O fato é que o problema se estende para além dos salários. No caso específico do Reino Unido, o estudo Women in Work Index, da PwC, revela que, para cada £1 ganho por um homem no país, uma mulher ganha apenas 90p, mesmo considerando as semelhanças entre eles em termos de histórico pessoal e profissional. Esse fenômeno reflete barreiras culturais e organizacionais que limitam as oportunidades para as mulheres no local de trabalho.
Questões como essas sugerem que não devemos nos preocupar apenas com a igualdade salarial nominal, mas também com equidade de oportunidades, incluindo acesso a posições de liderança e programas de desenvolvimento profissional. O tema é complexo e multifacetado, envolvendo também reconhecimento, segurança no emprego e tratamento justo no ambiente de trabalho.
Além disso, é fundamental que as empresas adotem políticas de transparência efetiva. A prática de greenwashing nos relatórios de sustentabilidade, segundo a qual as empresas exageram os impactos ambientais positivos de suas práticas, encontra paralelo nos relatórios de igualdade de gênero. As informações divulgadas pelas empresas devem refletir a realidade das práticas de igualdade de gênero, com dados genuínos que permitam avaliações e ajustes constantes.
A legislação sobre igualdade salarial, em suma, serve como um ponto de partida para discussões mais profundas e transformadoras. Ela deve ser vista como um componente de uma estratégia maior, que inclui educação, mudanças culturais e práticas corporativas inclusivas.
As empresas precisam ir além do cumprimento da lei, para adotar uma abordagem holística que reconheça e valorize efetivamente as contribuições femininas em todos os níveis organizacionais.
Essa é uma questão não apenas de justiça e ética, mas também de viabilidade econômica e sustentabilidade corporativa.
* Sócia da PwC Brasil