A moeda é uma das substâncias mais enigmáticas da engenhosidade humana. Sobre ela se equilibram quase a totalidade das interações sociais e apesar das pessoas terem com ela uma relação aparentemente pragmática (afinal não se rasga dinheiro) a moeda é tudo menos objetiva.
A moeda representa e revela todo o complexo da vida social e política e neste sentido preciso que argumento que a crise política irá levar a um enfraquecimento da moeda.
A questão na mesa é relativamente simples de dissecar e muito difícil de resolver. São dois eixos: um fiscal e outro político, sendo que ambos são econômicos.
Do ponto de vista fiscal a questão é que o problema não é necessariamente o resultado primário, mas sim nominal. A elevada dívida contraída durante o período de pandemia exige hoje um nível de disciplina maior que o usual e apesar do déficit primário existente não ser “coisa de outro mundo” é suficientemente elevado para ser exponencial em termos nominais.
A dívida é a verdadeira “granada no bolso do inimigo” como uma vez falou o ex-ministro Paulo Guedes. Com este patamar de endividamento a única solução seria diminuir o Estado.
Haddad tentou resolver o problema fugindo para frente, ou seja, apostando na arrecadação de impostos na esteira da melhoria da economia, contudo a arrecadação não subiu como se esperava no primeiro do governo ano devido em parte das isenções feitas no governo anterior (mais uma granada?) e depois teve que criar uma agenda para tributar quem não pagava ou pagava impostos.
Nem preciso dizer que impostos são o tema político por excelência. Haddad resolveu fazer o mais difícil e a resistência veio. A crise do PIX não se trata do PIX, da mesma forma que a Revolta da Vacina não teve nada a ver com saúde publica.
Chegamos assim ao segundo eixo, que denominei de político, mas o que quero dizer aqui na verdade é orçamentário.
O governo anterior, por motivos que não vou me aprofundar, desorganizou de vez o tão falado Presidencialismo de Coalizão ao dar para o Congresso um controle gigantesco sobre o orçamento. (Mais uma granada?) Isto não seria um problema se o governo tivesse a maioria no parlamento, mas como isso no Brasil é impossível, por isso mesmo surgiu o Presidencialismo de Coalizão, o executivo está de mãos atadas.
O Planalto poderia mesmo a contra gosto cortar gastos e com isso estancar a crise, mas da forma que está não consegue.
Temos assim os elementos políticos para o enfraquecimento da moeda.
Este enfraquecimento pode se dar de maneira mais clássica via inflação, mas também pode ocorrer com a queda dos títulos públicos, ou seja, juros mais altos.
Sobrou para o Banco Central fazer o que tinha que ser feito e ratificar via SELIC o que já havia ocorrido via política.
Keynes no seu livro As Consequências Econômicas da Paz tem uma passagem famosa onde concorda com o líder dos bolcheviques: “Lenin estava certo. Não há meio mais sútil e seguro de derrubar a base existente de uma sociedade do que corromper sua moeda.”
Em tempo: a África do Sul cortou hoje os juros, de 7,50% para 7,25%. Como esperado.