Porto Alegre, terça, 26 de novembro de 2024
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Morre Ibsen Pinheiro. Político, jornalista, procurador de justiça e grande colorado

Detalhes Notícia

Início dos anos 1980, eu era repórter da Rádio Sobral, de Butiá, na primeira entrevista que fiz com Ibsen Pinheiro. Lembro que fiquei encantado com a fluidez das palavras, construção clara de imagens e facilidade de fazer entender a política. Mas conheci mesmo Ibsen, bem mais tarde. Muitos anos e entrevistas depois tive o privilégio de horas e horas de conversa com o pai do meu amigo Márcio. Sem a liturgia dos cargos que ocupou nos contava histórias da política, da imprensa, de Porto Alegre e do nosso Sport Club Internacional. E como ele sabia contar histórias, enriquece-las com detalhes e deixar todos presos na sua narrativa. Infelizmente não viveu para lançar o livro que revelou queria escrever: Os inocentes não têm cúmplices. Não sei se ele concluiu a obra e poderemos desfrutar “post-mortem” da inteligência e escrita brilhante de Ibsen.   A intenção era contar a visão pessoal,  fatos não revelados da cassação do mandato em 1994 e muito mais… Afinal, foram 84 anos bem vividos.

Ibsen era multi, acompanhei de forma mais próxima duas de suas paixões, O Sport Club Internacional e a política, em ambas foi brilhante. Vereador, deputado estadual, presidente da Câmara dos Deputados durante o processo de impeachment de Fernando Collor de Mello, presidente interino da República. Em 1994, teve seu mandato cassado de forma injusta pela CPI que investigou irregularidades no Orçamento da União. Ibsen. Acusado injustamente pela VEJA de participar do Escândalo dos Anões do Orçamento, um esquema de desvio de verbas, acabou condenado a ficar afastado da vida pública por oito anos. Tudo por causa de uma denuncia feita de forma errada pela revista, que anos depois se descobriu não tinha nenhum base. O próprio repórter Luís Costa Pinto responsável pela matéria confessou o erro. Em 2000, o Supremo Tribunal Federal arquivou o processo de sonegação fiscal.

Ibsen era um homem encantador e grande, muito maior que os pouco mais de 1,70 de altura. Nunca misturou os lados. Ele sabia que era eu o âncora da Rádio Gaúcha, na fatídica “noite das adagas”, onde mesmo que todos os colegas de Câmara dos Deputados soubessem da sua inocência… acabou “impichado”. Fui também o repórter na volta para o Ministério Público do Rio Grande do Sul, quando promotores tentaram uma segunda cassação e nós o questionamos de forma dura e ele a tudo respondeu com calma e clareza. Já entrevistei vários políticos que bradariam, ameaçariam e abandonariam o local da indignados com perguntas, não era o caso dele. Foi jornalista dos bons, respeitava o ofício da imprensa e não “misturava os canais”. Ibsen gostava de perguntas instigantes, provocativas… não deixava de responde-las e não guardava mágoas. “Para mim não tem pergunta ruim, pode a resposta não ser boa”. Como homem público sabia que tinha de dar explicações e não se negava a fazer isso. DEMOCRATA na boa e na ruim.

capa_isto é 400Mesmo quando soube, do crime cometido contra ele, pela revista Veja, não pregou revanche contra o semanário ou o jornalista. Reportagem da ISTOÉ  mostrou que o jornalista Luís Costa Pinto (Lula), à época editor da revista Veja em Brasília, decidiu contar os bastidores da reportagem de capa de sua autoria, em novembro de 1993, onde afirmava que a CPI descobrira que Ibsen movimentou US$ 1 milhão em suas contas. O relato acusa Waldomiro Diniz, então assessor do atual ministro José Dirceu (PT-SP), de ter vazado uma “falsa prova”. Além de confessar um erro, Costa Pinto revela detalhes da história que foi decisiva para incinerar Ibsen. Junto com o mandato, o ex-presidente da Câmara perdeu dez quilos e tempo indagando os motivos de sua ruína política. ISTOÉ o procurou para falar de seu livro e teve acesso ao artigo de Costa Pinto.

Em novembro de 2000, Ibsen almoçou com o jornalista na Churrascaria OK, em Curitiba, quando soube dos bastidores. “A CPI do Orçamento caminhava para um desfecho melancólico, pois só ia cassar deputados do chamado ‘baixo-clero’ (…). Foi nesse ambiente que se perpetrou um dos grandes erros jornalísticos contemporâneos”, contou Costa Pinto, no artigo que depois enviou a Ibsen. “Este depoimento é seu e pode ser usado da maneira que você quiser”, escreveu no e-mail. Trata-se de um raro mea-culpa em 2.804 palavras que dá pormenores e nomes. Costa Pinto conta que em novembro de 1993 foi procurado por uma figura que ficaria famosa dez anos depois: Waldomiro Diniz, assessor da CPI e já então braço direito dos parlamentares petistas José Dirceu e Aloizio Mercadante. “Pegamos o Ibsen”, disse Waldomiro. O depoimento de Costa Pinto, hoje consultor do presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), revela uma coragem incomum em desnudar um fato já sepultado na memória. Mostra também como Waldomiro vazava sigilos para incriminar investigados. A morte política de Ibsen tirou do caminho um forte candidato à Presidência. O PMDB se dividiu, mas na eleição de 1994 Lula acabou superado por Fernando Henrique Cardoso, após a edição do Plano Real. Clique aqui e leia na íntegra a reportagem A Verdade Aparece.

Na primeira eleição em que concorreu após a retomada de seus direitos políticos, em 2002, concorreu a deputado federal, mas não se elegeu. Em 2004, quando já era de conhecimento público a armação que sofreu no processo de cassação do mandato dele retornou com tudo à política. Primeiro se elegeu vereador de Porto Alegre, tendo sido o candidato mais votado naquela eleição. Em 2006, foi eleito novamente deputado federal. O PMDB era aliado do governo Lula, mas Ibsen bateu de frente com os interesses do Presidente ao enviar em 2009 a Emenda Ibsen Pinheiro, que retirou royalties do petróleo dos estados produtores, para divisão igual entre os estados brasileiros. Era um dos defensores das leis de reserva de mercado, e de medidas que protegiam a indústria brasileira à concorrência estrangeira, mas que impediam a sua modernização e ganho de competitividade.[carece de fontes] Sendo contrário à abertura econômica, era tido por seus adversários como protecionista, rescaldos do jovem comunista que militou no Partidão.

Não foram poucas as vezes que dividimos uma costela, no Barranco (Churrascaria de Porto Alegre), bebemos chope e ouvi relatos sobre a formação do grupo dos “Mandarins”, grupo de jovens dirigentes que participou junto com Paulo Portanova, Ivo Côrrea Pires, Hugo Amorim e Claudio Cabral. Passados mais de 50 anos e com muitas mudanças de nomenclatura, o que eles pregavam segue atual e hoje é chamado de valências: força, técnica e velocidade. Cada jogador no Inter, precisava ter no mínimo duas dessas qualidades. Ibsen fez parte do conselho deliberativo do Sport Club Internacional, ocupou diferentes cargos no Futebol do Clube e nunca quis se candidatar a presidência da instituição. Se quisesse ocupar o cargo, seria eleito. Uso aqui o relato dos jornalistas David Coimbra e Nico Noronha,  no livro A história dos Grenais  para ilustrar um fato que ele se divertia cada vez que nos narrava entre chopes. Em 1969, ano de inauguração do Beira-Rio, o Grêmio poderia ser Octa Campeão Gaúcho, na nossa casa. O Internacional abre o placar, com Valdomiro, mas o juiz anula o gol marcando uma falta na jogada. indignação geral dos jogadores e torcida no Beira-Rio. O mínimo que faziam era xingar a progenitora do árbitro Zeno Escobar Barbosa:

“Ibsen Pinheiro saiu do túnel e cruzou a linha lateral do gramado. Ibsen não correu, não gesticulou, não se agitou. Andou em direção a Zeno com calma e decisão, senhor de si, dono da situação, ereto como um príncipe. Ibsen caminhava como se estivesse atravessando o corredor da sua casa.
O policiamento ficou confuso. Aquilo não era uma invasão de campo. Pelo menos não nas previsões dos manuais. Ao chegar a um palmo do árbitro, Ibsen advertiu, olhando-o nos olhos, serenamente, peremptoriamente:

— Isso aqui está muito louco. Nós vamos morrer todos aqui dentro. O povo vai pular os portões da Coreia e vai ser um massacre.

Pasmo, o juiz apenas balbuciou:

— Deixa comigo, deixa comigo, deixa comigo.”

O jogo terminou empatado com o Inter Campeão, primeiro título do Octa Colorado e Ibsen, que entrou literalmente em campo foi decisivo para a conquista. Ele contava, dizia que existiam exageros e ria se divertindo com a coragem e calma que teve.

Pois o coração do jornalista, advogado, político e colorado, Ibsen Valls Pinheiro, resolveu hoje parar de bater. Nascido em São Borja, no dia 5 de julho de 1935, era filho de Ricardo Pinheiro Bermudes e Lilia Valls Pinheiro. Formou-se em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) na década de 1960. foi promotor de justiça, procurador de justiça e nosso dirigente. Tchê, eu sou um cara de sorte, por muitas coisas que já aconteceram na minha vida, entre elas assistir a jogos do Inter ao lado de Ibsen e sua turma e ouvir histórias da boca do próprio protagonista ou testemunha do fato.

Eu estou em São Paulo e passei a semana pensando que ligaria hoje para o Márcio e falaríamos sobre o aniversário dele e da cidade que escolhi para morar… Que ele próprio me daria alguma dica de onde poderia levantar um brinde para homenageá-lo e também Sampa – afinal, já morou aqui-, que falaríamos sobre o GreNal da decisão da Copinha e outros assuntos…

Agora aqui estou às 02h07 da madrugada sem coragem de ligar para o meu amigo. Nós perdemos um grande homem, alguém que agradeço por ter dividido costelas, ensinamentos e histórias comigo. A minha amiga Cassia, perde o convívio do sogro; a Lina, o avô que arrisco dizer recebeu uma nova chance de se conectar com a família através dela – vida de homem público, não é fácil-; mas como filho sei a dor que meu amigo está passando. Como Seu Romeu, em casa muitas vezes Ibsen “falava calado”. Márcio perde o pai, que admirava demais o filho e era correspondido. Era lindo de se ver eles se entendendo nos silêncios e entrelinhas.

 

 

(Felipe Vieira, com informações da Wikipedia)