Foi por acaso que a professora Angélica Mattos de Oliveira começou a participar das sessões de musicoterapia do Hospital Moinhos de Vento. Aos 35 anos, ela descobriu que tinha câncer de mama e iniciou o tratamento. Mas devido a uma questão envolvendo o convênio, precisou trocar o dia da quimioterapia. Quando chegou à sessão seguinte, encontrou a turma do projeto tocando e cantando para os pacientes.
“Eu estava triste, desanimada. Mesmo tentando manter o alto astral, uma hora a gente fica mal. Mas as últimas sessões de quimio foram acompanhadas por música. Eu cantei, dancei, ri, chorei. É muito bom. Diminui a dor, a ansiedade”, conta Angélica, que traz a irmã Alice, de 12 anos, para participar das atividades.
Uma vez por semana, o silêncio ou as conversas num tom de voz mais baixo, característicos dos quartos e corredores de um hospital, é quebrado por notas musicais, vozes e até passos de dança. Desde maio de 2019, a musicoterapia foi incorporada às metodologias e técnicas auxiliares de tratamento contra o câncer no Hospital Moinhos de Vento. É a única instituição de Porto Alegre a oferecer essa opção aos pacientes.
Os benefícios sentidos por Angélica são confirmados pela coordenadora assistencial do Serviço de Oncologia, Taiana Saraiva. Segundo a enfermeira, outras pessoas também relatam diversas vantagens – como descontração, alívio da ansiedade, aumento da sensação de bem estar e diminuição da dor. “Muitos que participam em alguma ocasião das atividades pedem para voltar nos dias que a equipe da musicoterapia está no Centro de Oncologia. E para familiares e profissionais, o dia fica mais agradável. Eles nos contam que se sentem felizes ao observar que os pacientes estão mais alegres”, afirma.
Doses de música e cuidados
A supervisora da Psicologia Assistencial, Júlia Schneider Hermel, destaca que a iniciativa integra o tratamento. Seria como prescrever uma medicação: tem dose, momento e indicação. “A música atua com uma ferramenta que outras técnicas e métodos da área da medicina e do cuidado não têm. É um agente cuidador na saúde”, aponta a psicóloga.
Para cada paciente, o benefício é diferente. Para alguns, acalenta e alivia; para outros, anima e diverte. De acordo com Júlia, enfermeiros e psicólogos dizem aos musicoterapeutas o que cada paciente tem e qual a condição deles. Com essas informações, é possível pensar o estilo musical ou atividade apropriada para determinada pessoa, em seu contexto e sua etapa do tratamento. “É diferente quem recebeu o diagnóstico de quem está em tratamento. Alguns recebem intervenção pontual, outros são acompanhados por mais tempo”, explica.
O projeto é realizado por meio de um convênio entre o Hospital Moinhos de Vento e as Faculdades EST – Escola Superior de Teologia, única instituição a oferecer esse curso na grande Porto Alegre. O Grupo de Musicoterapia é supervisionado pelas professoras da graduação, e as atividades são desenvolvidas pelos alunos em estágio curricular.
Planos para o futuro
Coordenadora do curso, Laura Franch Schmidt da Silva ressalta que a primeira experiência da turma dentro de um hospital já está dando resultados. “Há expectativa de esses pacientes sejam guerreiros, fortes, para enfrentar a doença. Mas é um momento no qual eles precisam também lidar com suas fragilidades. E a música ajuda nisso. Ajuda a colocar para fora, a expressar e a entender que isso faz parte do processo de luto e luta. Quando ele toca, canta e dança, ele se sente parte da vida e há perspectiva, futuro”, detalha.
São as perspectivas e planos para o futuro que mantêm Suellen Coscia Bueno, de 31 anos, firme e com um sorriso no rosto, apesar do tratamento pesado. Ela tem no pequeno Vitor, de 60 dias, a maior motivação. E na música, um apoio extra. “Sempre quis me manter positiva. A música me ajuda nisso. Deixa a mente livre e é um alívio para enfrentar as dificuldades desse momento”, ressalta.
Ela participa das sessões junto com o marido Cristiano e a irmã Chayenne – companhias essenciais nas atividades do Grupo de Musicoterapia. “E agora com filho e o transplante, em 2020 é ano novo e vida nova!”, planeja.
Laura cita o caso de Suellen como um exemplo de que a metodologia também é importante para os familiares. “Dá energia para quem está ali, na sala de espera, e que precisa estar bem e forte para cuidar de seu familiar paciente, mas ao mesmo tempo está sofrendo junto. Ressignifica a parte difícil de estar num hospital trazendo também sensações boas”, finaliza.
Acordes e histórias que tocam os profissionais
O projeto implantado em maio trouxe benefícios também para os profissionais do Hospital Moinhos de Vento que atuam nos setores nos quais o Grupo de Musicoterapia desenvolve atividades. A psicóloga Júlia revela que os colaboradores se mobilizam, e as equipes acabam tendo maior engajamento. “Eles se motivam mais a cuidar do paciente e disseminam essa prática em outras áreas. Melhora até as condições e o ambiente de trabalho”, salienta.
A equipe da Psicologia Assistencial do hospital está elaborando um projeto de pesquisa que medirá o impacto da metodologia na atuação e nas rotinas dos profissionais. Além disso, o plano é ampliar o projeto em 2020. No ano passado, o Grupo de Musicoterapia atendia pacientes oncológicos, da internação pediátrica e UTI Neo Natal.
Uma recomendação do Ministério da Saúde
A musicoterapia é uma recomendação do Instituto Nacional do Câncer (INCA) como coadjuvante no tratamento contra o câncer. Desde 2002, a entidade ligada ao Ministério da Saúde orienta a prescrição a pacientes. Os sons são escolhidos de acordo com cada pessoa e sintoma. De acordo com o órgão, está comprovado que, no aspecto fisiológico, a música é capaz de interferir na batida cardiovascular, no sistema respiratório e na tonicidade muscular.