Porto Alegre, domingo, 24 de novembro de 2024
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Brasileiros relatam rotina na Itália após coronavírus

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Para circular no país, moradores precisam portar autodeclaração. © Arquivo pessoal

O café da vizinhança que estava sempre cheio agora não tem duas mesas ocupadas, um quarto das pessoas que estão no supermercado usam máscaras e um vidro separava o atendente da farmácia italiana de Florença da brasileira Analice Baldo, 40 anos, quando ela explicava para Agência Brasil a mudança na sua rotina após o governo da Itália ampliar os cuidados em decorrência da pandemia de coronavírus.

Na última semana, em uma passagem pelo supermercado, Analice viu prateleiras vazias. Entre os itens que mais sentiu falta estavam papel higiênico, molho de tomate, massas e frango. A situação pareceu se normalizar, mas novamente nesta quarta-feira (11) artigos de primeira necessidade estavam em falta.

Ana Carolina, 26 anos, teve que fazer uma quarentena informal na república onde morava em Roma quando teve sintomas de gripe.

Para Mateus, 26 anos, arquiteto, o novo coronavírus afetou um pouco a rotina do escritório: agora a recomendação é que os encontros na hora do café sejam evitados.

Analice, Anna Carolina e Matheus, são brasileiros que vivem em diferentes regiões da Itália e relataram à Agência Brasil um pouco de suas rotinas após a propagação de Covid-19.

No último dia 8, a Itália começou a adotar medidas drásticas para tentar conter o vírus. O primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, assinou decretos que estabelecem a necessidade das pessoas portarem uma autorização especial para circular e viajar.

O primeiro-ministro anunciou o fechamento de escolas, ginásios, museus, cinemas, clubes noturnos e outros espaços públicos. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), a Itália tem o maior número de casos do novo coronavírus da Europa e é o segundo país com mais casos no mundo, perdendo apenas para a China.

Analice se mudou para a Itália com o marido e os dois filhos, de 4 e 13 anos, em agosto do ano passado. Ela não pretende retornar ao Brasil, sua casa está na Itália e os filhos frequentam a escola daquele país. Está segura da qualidade da saúde pública italiana e entende a urgência das medidas tomadas pelo país, mas diz que toda essa situação a deixou um pouco angustiada.

“Eu entendo perfeitamente as medidas tomadas, o decreto [que proibiu a livre circulação de pessoas], e acato completamente de boa vontade, mas confesso que isso me angustia mais, me deixa mais apreensiva do que o coronavírus em si. Porque tudo está diferente. A cidade está toda diferente. Eu moro numa área residencial, e está tudo diferente, muitos comércios fechados, muitas lojas a cada dia mais e mais fechando. O meu médico – se eu me sinto mal – ele sempre me pede para ir até o consultório. Dessa vez ele fez uma consulta telefônica. Então a gente se sente presa, a mim e aos meus filhos em casa, e mesmo na Itália, porque se nós quisermos sair daqui não pode. Isso sim me deixa bastante apreensiva. Um tanto quanto ansiosa, pensando quando e como isso vai acabar. Eu temo inclusive pela economia italiana porque o impacto é grande”.

Anna Carolina Martins, 26 anos, é uma estudante de mestrado brasileira que mora em Roma desde os 17 anos. Segundo ela, sua rotina se resumia em estudar e escrever tese na biblioteca nacional em Roma, onde ia a pé por morar no centro da cidade. Logo que o vírus começou a se alastrar já era possível ver avisos e panfletos sobre como prevenir a difusão de Covid-19. Aos poucos o número de pessoas usando máscaras aumentou.

“Não deixei de fazer as minhas atividades e, sinceramente, não imaginava que a situação chegaria a este ponto. Há uma semana a situação começou a ficar mais preocupante. A biblioteca esvaziou e os espaços foram delimitados, você só poderia se sentar com um metro de distância das pessoas. Tudo esvaziou. As pessoas começaram a ficar com muito medo, a brigar na rua.”

Carol, como é conhecida, chegou a pegar um resfriado e ter febre, como mora em uma casa com outras cinco mulheres, ficou afastada. “Me isolaram no meu quarto. Procuramos máscaras e tudo tinha acabado. Então, só uma [pessoa] entrava em contato comigo e me preparava algo para comer. E fizemos assim até melhorar.”

“Achei que as coisas iriam se acalmar, mas ao invés disso, logo depois, foram tomadas essas medidas mais sérias. Com o decreto, agora ninguém mais pode sair de casa tá tudo proibido. Você só pode sair com essa autocertificação. Você baixa o formulário pela internet e tem que provar que você está saindo de casa pelos motivos previstos pela lei, situação de necessidade, de trabalho, e de saúde. Se não for nenhum desses motivos e alguém te perguntar o porquê você saiu, se você não tiver dizendo a verdade ou não tivesse autorização, você ganha uma multa. Eu estava muito assustada, as pessoas estão muito muito assustadas, agora tá todo mundo dentro de casa ninguém, na Itália inteira, pode sair a não ser que seja por motivos extremamente necessários.”

A estudante resolveu antecipar o retorno para o Brasil, que já estava previsto. Até a formatura, que ocorreria em março, foi adiada e será realizada apenas online. “Não está nada confortável. Estou com medo que isso chegue ao Brasil também. Aqui as previsões dizem que atingiu o mundo inteiro e não é tão perigoso, tão mortal. Porém ele se difunde com uma velocidade muito rápida. A epidemia tem que acabar porque está ganhando uma proporção muito grande.”

Dentre os problemas provocados, a estudante destaca os prejuízos na economia. “As lojas não ficam abertas após as 18h e todos os pubs estão fechados. Muitos negócios tiveram que ser fechados. Eu iria me formar agora dia 23 de março mas a minha formatura foi cancelada e eles colocaram para o dia 30 de abril e vai ser online porque ninguém vai poder se reunir. A previsão é que a situação melhore apenas bem lá bem para frente”.

Matheus Bastos, 26 anos, é arquiteto e mora em uma cidade de cerca de dez mil pessoas próxima a Gênova. Sua rotina é pacata. Passa o dia no trabalho e retorna para casa no fim do expediente. Por morar sozinho e não conviver com idosos continua trabalhando normalmente. E mesmo fora dos grandes centros, com um dia a dia de poucos eventos sociais, sem utilizar transporte público (se locomove de bicicleta), percebeu mudanças no comportamento das pessoas.

“A mudança é no próprio ambiente do escritório. Antigamente as pessoas procuravam se encontrar e conversar às 11h ou às 17h da tarde no café, e hoje em dia você vê claramente, inclusive foi discutido e avisado para todos os funcionários, que deve-se evitar qualquer tipo de aglomeração. Não se deve frequentar locais com mais três pessoas ao mesmo tempo.”

Apesar da pandemia, o arquiteto se sente seguro no país e não pretende voltar ao Brasil. “Todas essas circunstâncias me deixam bastante tranquilo, de que por mais que seja uma doença bastante séria, eu acredito que essa onda de infecção vai passar e as coisas vão voltar à normalidade. Então não é preciso tomar nenhuma medida tão drástica assim.”

Agência Brasil