Porto Alegre, quinta, 19 de setembro de 2024
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Judith Butler: “De quem são as vidas consideradas choráveis em nosso mundo público?”; El País

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Em seu novo ensaio, ainda inédito no Brasil, a filósofa defende uma nova solidariedade contra a violência para enfrentar esta época marcada pelo conflito permanente. Antecipamos um trecho da obra. A filósofa norte-americana Judith Butler durante uma visita a Barcelona, em 2018MIQUEL TAVERNA/CCCB

 

 

Julio Cortázar encarna uma tradição de imaginação literária e ativismo político extraordinários. Tenho em mente aquela advertência que Pablo Neruda fez há alguns anos: “Quem não lê Cortázar está condenado”. Cortázar acreditava que devemos estar conscientes da linguagem que usamos ao descrever o mundo, pois está repleta de significados inconscientes, histórias sociais, um legado de luta e submissão. É possível que a linguagem que seja mais clara para nós acabe se revelando a mais opaca e até enganosa quando começamos a nos aprofundar na história de seu uso.

Em uma aula de literatura que deu em 1980 na Universidade da Califórnia, em Berkeley, universidade onde sou professora, Cortázar disse a seus alunos: “A linguagem está aí e é uma grande maravilha e é o que faz de nós seres humanos, mas cuidado! Antes de utilizá-la é preciso ter em conta a possibilidade de que ela nos engane, ou seja, de que estejamos convencidos de que estamos pensando por conta própria e, na realidade, a linguagem está um pouco pensando por nós, usando estereótipos e fórmulas que vêm do fundo do tempo e podem estar completamente podres.”

E, no entanto, Cortázar nunca virou as costas à linguagem, nem à política, nem à esperança. Devemos questionar criticamente a maneira como reproduzimos em nossa linguagem as formas de poder às quais nos opomos e também devemos nos esforçar para usar a linguagem de um modo novo que abra uma possibilidade de esperança para o mundo. Utopia não é uma palavra fácil de usar, mas Cortázar não a rejeitou: Cortázar proclamou, como sabem, que Cuba era uma utopia alcançável. E com isso deu esperança à possibilidade de materializar uma igualdade radical de caráter político neste mundo. Ele não sabia se isso iria acontecer, nem embarcou em previsões, mas estava disposto, no entanto, a proclamar, a mobilizar o ato de falar como uma forma de combater o ceticismo e o niilismo de seu tempo. De fato, como é sabido, como membro do Tribunal Russell II, uniu forças com outros para condenar publicamente os crimes cometidos pelos regimes ditatoriais da América Latina. Ele não era juiz e o Tribunal Russell II não era um tribunal de justiça, mas quando os tribunais não cumprem seu trabalho ou quando a fé na lei vacila, existe ainda a possibilidade de fazer julgamentos públicos contundentes; particularmente quando as pessoas concordam em revisar em público as evidências.

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