Porto Alegre, sexta, 20 de setembro de 2024
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Artista plástico gaúcho une duas obras de Van Gogh para homenagear os 130 anos da morte do gênio holandês

Detalhes Notícia

 

 

No próximo dia 29 de julho, a morte do pintor Vincent Van Gogh (1853 -1890) completará 130 anos. Para homenagear a data, o artista plástico gaúcho Aloizio Pedersen, que ministra oficinas de pintura como forma de inclusão social a internos do Instituto Psiquiátrico Forense (IPF), apresentará uma releitura de dois clássicos do holandês. Pedersen, por sua ação social com o Projeto Artinclusão, convive bastante próximo do binômio criatividade e loucura, que acompanhou Van Gogh por um bom período da sua vida, e faz parte importante da vida de Pedersen há cerca de três anos.  Em 2017 ele começou a ministrar as oficinas de pintura para pacientes com distúrbios mentais, tutelados pelo Judiciário, no IPF. Recentemente, conseguiram até transformar esta instituição em um show room com duzentas e cinquenta obras em pronta entrega, com verba integral para seus autores.

Além de uma intensa afinidade com a obra de Van Gogh e os corvos (tema que está retomado em suas telas), o pintor gaúcho faz a releitura com os olhos muito especiais de quem convive diretamente com o ensino da arte como fonte terapêutica e de inclusão social. No trabalho denominado Esperando Van Gogh, Pedersen fundiu Noite Estrelada e Corvos no Campo de Trigo, com maestria. O gênio holandês, não por acaso, é fonte de inspiração constante na carreira de Pedersen. O artista pós-impressionista morreu aos 37 anos, ao cometer suicídio (teoria atualmente questionada), era atormentado por surtos psicóticos e alucinações. Uma realidade com a qual Pedersen acompanha de perto com o projeto Artinclusão, além de suas incursões com as telas e pincéis também por presídios e pela Fasc, entre outros espaços.

Esperando Van Gogh (tela em tinta acrílica, 60 cm x 90cm) será apresentada on line oficialmente pelo artista em seu Facebook e no Instagram, onde também explicará um pouco sobre a vida e obra do pintor e os detalhes da produção desta fusão de telas e suas simbologias. Para a doutora em Psicologia Social e Institucional, Fernanda Bassani, que acompanha o Artinclusão, Pedersen desmistifica o tom negativo associado ao campo da loucura, com a vivência de palcos e oficinas semanais para os internos do IPF, que abriga cerca de 200 pessoas que cometeram delitos e possuem transtornos mentais graves. “As últimas exposições artísticas do grupo deixam claro que arte e loucura podem ser as duas pontas de um arco íris que acolhe o humano em sua diversidade. Sem julgamentos”, analisa Fernanda.

 

O Artinclusão

 

O Projeto Artinclusão é uma iniciativa já creditada por dois prêmios em Direitos Humanos e parte de uma vivência no ensino das artes e seu uso terapêutica que ultrapassa 40 anos de ações em escolas, presídios, hospitais, faculdades e congressos.

 

A atividade também já foi desenvolvida Casa de Acolhimento AR7, vinculada à Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC), com execução por Pedersen e coordenação executiva da advogada e ativista dos Direitos Humanos Carmela Grüne, como foco no aumento da autoestima e social, mas também como profissionalização e inclusão pela geração de renda. O trabalho foi realizado em conjunto com a psicoterapeuta da Infância e Adolescência, Marília S. Krüger.

 

O projeto Artinclusão também está registrado em artigo publicado na obra Justiça Juvenil na Contemporaneidade II, organizado por Ana Paula Motta Costa, Editora da Universidade, 2018. E seu método descrito na obra Sujeitos e Instituições: Modos de Cuidar e Tratar, organizado pela Coordenação Social da SJDH, 2002.

 

O Artista

 

Artista plástico, arte educador e arte terapeuta, Aloizio Pedersen também é ator e diretor de teatro, graduado em Comunicação Social e Educação

 

Pela sua atuação como “artivista”, ou seja, aquele que pela arte reverbera a importância da promoção dos direitos fundamentais aos mais vulneráveis, foi consagrado por Boaventura de Souza Santos, como Mago das Artes, após sua apresentação no Congresso Internacional de Direitos Humanos, em Lisboa, em janeiro de 2019. Na oportunidade, foi convidado a multiplicar sua atuação por seis universidades daquele país.

 

Aloizio Pedersen é verbete de diferentes dicionários artísticos, entre eles Dicionário de Artes Plásticas no RGS. Renato Rosa & Decio Presses. Ed. da Universidade/ Porto Alegre, 1997;  Dicionário Artes Plásticas Brasi l de Júlio Louzada/São Paulo.

 

Em 1997 foi selecionado para a Exposição Internacional Grand Marché D’Art Contemporain/ Paris/ Berlim, expondo e pintando ao vivo. Dos salões se destacam Brasilian Art Expo Canadá/1998 e XV Salão da Chico Lisboa/1992. Entre seus apreciadores estão: Mônica Zielinsky, Antônop Hohlfeldt e Dom Antonio Cheuiche.

 

Artigo

Fernanda Bassani – Doutora em Psicologia Social e Intitucional

 

De gênio e louco todos têm um pouco?

 

Quem dera a resposta fosse positiva. O psicanalista gaúcho Paulo Rebellato costumava dizer que a maior parte das pessoas são apenas “normopatas”, isto é, sofrem de uma normalidade patológica. Mas o que ele queria dizer com está brincadeira? Com este “normal adoecido”? Referia-se, de certa forma, aos neuróticos, a grande maioria das pessoas. Aquelas que vivem em uma linha mediana de possibilidades e rotinas. Visam um bom trabalho, que remunere bem e traga estabilidade profissional e um núcleo familiar sólido. Em torno destas metas transitam  desejos vaidosos e capitalísticos- consumismo, status, boa comida e, eventualmente, boa cama  – em permanente conflito com nossos recalques pessoais. E era isso. Sem grandes rupturas, além dos tradicionais dramas ligados ao famoso Complexo de Édipo.

 

Mas há uma parcela da população que deseja mais. Que tem dentro de si pequenos monstrinhos que os instigam ao limite. Às bordas da vida. Aos “pagos” do além mar. À estes o normal é infelicidade,  tédio ou ausência de si. Seus olhos, mãos e mentes não se adaptam às linhas retas. Querem as curvas, buscam os fragmentos, caem em buracos, sofrem, mas também gozam na incerteza. Dentre estes grupos, podemos citar os artistas e os loucos*.

 

No campo da arte, um bom exemplo deste desejo de curvas e acidentes fragmentários, enquanto constituinte de uma psiquê própria, talvez esteja nas produções do holandês Vincent Van Gogh. Em sua fase impressionista, o tracejado curto, porém contínuo, a sobreposição de cores, foi capaz de criar obras de um estilo que não se rendia as continuidades, aos planos lisos e homogeneos. Era assim na arte, mas também na  vida. Sua obra “Noite Estrelada” trouxe demonstrações vibrantes de um fragmentário que não se rende e dança sobre os limites entre a arte e o mundo da loucura. O resultado disso é o sublime. Isto é, uma experiência de transcendência, de viver outro mundo, sem que seja preciso uma mediação divina. Mas como se diz por aí, tudo nesta vida tem um preço. O limite é um lugar que costuma cobrar pedágio para quem nele vive por muito tempo. Há 130 atrás Van Gogh tirou a própria vida com um tiro na barriga. Segundo conta em sua biografia, logo após concluir sua obra “Campo com corvos”. O que teria visto o artista neste campo? Por onde andou Van Gogh? Os caminhos por onde andam os artistas e os loucos são os mesmos?

 

Para homenagear o pintor holandês, o artista plástico gaúcho Aloizio Pedersen produziu um prodígio, uma transgressao: uniu “Noite Estrelada” com “Campo Com Corvos” em uma releitura única. Talvez parte de sua inspiração tenha vindo dos 4 anos de trabalho no Instituto Psiquiátrico Forense Maurício Cardoso. O local abriga 200 pessoas que cometeram delitos e possuem transtornos mentais graves, sendo palco de oficinas de arte semanais. Ali Aloízio tem desmistificado o tom negativo associado ao campo da loucura, demonstrando a potência daqueles sujeitos em produzir obras instigantes, ao mesmo tempo em que organizam seus sentimentos e desejos. As últimas exposições artísticas do grupo deixam claro que arte e loucura podem ser às duas pontas de um arco íris que acolhe o humano em sua diversidade. Sem julgamentos.

 

Fernanda Bassani

Psicóloga

Doutora em Psicologia Social e Institucional.

 

*Usamos o termo “louco” como uma digressão a linguagem  psicopatologica tradicional. Optamos pelo sentido do Dicionario Aurélio que refere “aqueles com pensamento, atos e palavras que parecem extravagantes e desarrazoados”. Lembrando que “parecer” não é “ser”. Mas um julgamento.