Porto Alegre, quarta, 25 de setembro de 2024
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Querido Cabaré; por João de Almeida Neto*

Detalhes Notícia
Querido cabaré que hoje me inspira, é longa a noite, é animada a orgia que os gigolôs da Pátria de hoje em dia vão promovendo, enquanto a vida gira. (João de Almeida Neto)

 

Querido cabaré, da madrugada,
lugar de boemia e despudores,
onde bebi às fantasiosas dores
da minha juventude desregrada.
Daquele tempo não sobrou mais nada,
só a lembrança ficou, por nostalgia,
como ficava, repunante, no outro dia
o sarro da bebida derramada.

Políticos, doutores e garçons,
porteiros, bailarinos, prostitutas,
a festa da mentira das condutas
que a música abafava com seus sons.
Os maus se misturavam com os bons
e todos respeitavam a mistura,
para cruzar em paz a noite escura
na sala iluminada à luz neón.

Um país, vez em quando, se parece
a um cabaré sarroso e libertino,
quando o povo descuida seu destino
e a consciência dos homens escurece.
Porque a ressaca que o bêbado merece
para pagar a noite mal dormida
é igual à náusea da nação perdida
quando ela bebe, e a moral adoece.

E fico a relembrar tempos distantes
quando os otários, carentes e sofridos,
não se importavam de serem iludidos
e perdoavam as ofensas das amantes.
Parece que os encontro, alguns instantes,
insensatos, porém de outra maneira,
perdulários da alma brasileira,
perdoando devedores e farsantes.

Aquela ginga, o jogo de cinturas
que as bailarinas tinham ao dançar
é outra coisa para comparar
a esse bailado de farsas e imposturas,
onde, sei lá, não sei porque loucuras
quem tem poderes, sem poder nenhum,
ginga e joga pra cima o bem comum,
comprometendo gerações futuras.

Se ao menos nos salões dos palacetes,
onde as elites pisam nas ralés,
tivesse como tem nos cabarés
venezianas abertas para os bretes,
poderiam arejar esses macetes
e expulsar da sala esses odores
que os pés dos imorais frequentadores
vão deixando impregnado nos tapetes.

Querido cabaré que hoje me inspira,
é longa a noite, é animada a orgia
que os gigolôs da Pátria de hoje em dia
vão promovendo, enquanto a vida gira.
E a turba embriagada que delira
não consegue distinguir teus maus exemplos
para varrer dos gabinetes e dos templos
a exploração, o engodo e a mentira.

 

*João de Almeida Neto/Advogado, cantor e compositor