A Coordenação de Literatura e Humanidades da Secretaria Municipal da Cultura (SMC) revelou os vencedores do Prêmio Açorianos de Literatura em cerimônia virtual realizada nesta quinta-feira, 17. O Livro do Ano foi para Tudo tem a ver, de Arthur Nestrovski, que também venceu na categoria Ensaios de Literatura e Humanidades.
Além das oito categorias e livro do ano, receberam homenagem especial do Prêmio Açorianos de Literatura o Instituto de Cultura da PUCRS, Editora Figura de Linguagem, os escritores Rossyr Berny e Regina Zilberman e o professor e historiador Voltaire Schilling.
Confira os vencedores
CATEGORIA ESPECIAL
Cem poemas – Antologia poética do Japão – por Andrei Cunha (tradutor)
CONTO
Como se mata uma ilha, de Priscila Pasko
CRÔNICA
Comigo no cinema, de Martha Medeiros
ENSAIOS DE LITERATURA E HUMANIDADES
Tudo tem a ver, de Arthur Nestrovski.
LITERATURA INFANTIL:
Histórias de (não) era uma vez, de Maria Luiza Puglia, ilustrações Martina Schreiner.
LITERATURA INFANTO-JUVENIL
Rabiscos, de Luís Dill, desenhos Fernando Vilela.
NARRATIVA LONGA (empatados)
Os donos do inverno, de Altair Martins
Marrom e amarelo, de Paulo Scott
POESIA
Apenas por nós choramos, de Anna Mariano
LIVRO DO ANO:
Tudo tem a ver, de Arthur Nestrovski
O gaúcho Arthur Nestrovski circula como poucos pela literatura e pela música, tanto na prática quanto na teoria. É doutor nas duas áreas, violonista, compositor, crítico e, desde 2010, diretor artístico da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp).
O livro dedicado a essas duas paixões e seus cruzamentos. TUDO TEM A VER compila textos sobre Chico Buarque, Beethoven, Edgar Alan Poe e Ian McEwan publicados na imprensa e inéditos. Nesta entrevista, o autor discorre sobre as duas áreas e avalia a crítica cultural do país.
O título do livro aproxima música e literatura, duas áreas que “têm tudo a ver”. Pode desenvolver esse ponto de vista?
Por praticidade, no departamento de música das instituições de ensino, só se estuda música, e, no departamento de literatura, só literatura, mesmo quando se está pensando sobre obras em que as duas estão em contato. Não é que não tenham as suas características próprias e não necessitem de atenção separadamente, mas muitas vezes se cruzam: na ópera, na canção, no cinema e na memória de todos nós.
No livro, o senhor chama ÁGUAS DE MARÇO de o “samba mais bonito do mundo”. A canção é um exemplo perfeito desse cruzamento?
Não é possível pensar sobre Águas de Março sem estudar em profundidade tanto a intenção musical suprema de Tom Jobim quanto a extraordinária letra e o modo como as duas se comunicam. “Perfeição” não é um termo muito útil do ponto de vista da crítica, é impressão subjetiva. Mas Tom Jobim é um dos compositores de canções próximas da perfeição.
Quem mais se aproxima?
Para ficar só na canção popular brasileira: Tom Jobim, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Dorival Caymmi. Três exemplos mais próximos: Luiz Tatit, Zé Miguel Wisnik, Arnaldo Antunes. Todos são artesãos supremos da canção.
Como o senhor enxerga a crítica cultural atualmente?
Está virtualmente desaparecendo da grande mídia e não povoa outras áreas, como a mídia digital. Muito do que passa por crítica na imprensa hoje é afirmação de gosto. Pertence ao campo da crônica, não da crítica. A crítica tem que ser capaz de descrever objetivamente o que está sendo estudado, situar para o leitor de onde vem a obra. As coisas não acontecem no vazio. Depois, avaliar o quanto a obra foi bem-sucedida nos termos propostos pelo artista, e não do ponto de vista de quem está escrevendo. Crítico não é juiz, muito menos professor dos artistas. Ele não pode ser a pedra de toque.
O senhor escreve sobre como a rotina do músico envolve muito mais treino árduo do que prazer. Entretanto, persiste na sociedade brasileira um preconceito de que o artista não trabalha duro.
Ninguém acha que Fernanda Montenegro ou Caetano Veloso não fazem nada na vida, ou que a Osesp, que apresenta 140 concertos por ano, está brincando. A legitimidade dessa produção não está em questão. O que se tem hoje é uma espécie de orgulho público da ignorância. Por que a gente teria de se explicar para quem não tem compreensão para entender o que a gente está falando? Quem tem de se justificar é quem acha que pode desqualificar o discurso da cultura e do conhecimento na base do grito.
A crítica cultural migrou da imprensa para os livros ou a academia?
Crítica com impacto amplo, com seguidores, com pertinência, não. Há autores, como Lorenzo Mammí e Nuno Ramos, que lançaram livros, mas são esforços individuais. Com a facilidade de publicar textos na internet, não entendo como as universidades não estimulam seus professores e alunos a refletirem criticamente sobre a cultura para que ela tenha de fato repercussão, para que as obras continuem vivas após apresentadas. Por que a UFRGS, por exemplo, não tem um site de crítica musical, literária, teatral etc, para pelo menos dar conta da produção que acontece em Porto Alegre?