Porto Alegre, sábado, 12 de outubro de 2024
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RS: Nos 45 anos do incêndio das Lojas Renner, Instituto-Geral de Perícias recorda laudos que revelaram causas da tragédia

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Em 27 de abril de 1976, episódio deixou 41 mortos na capital e entrou para a história como um dos piores incêndios do país. Acervo do IGP mantém os laudos produzidos após o incêndio - Foto: Ascom IGP

 

 

Em 27 de abril de 1976, por volta das 14h, cerca de 300 pessoas estavam em uma das principais lojas de departamentos de Porto Alegre à procura de roupas, utilidades domésticas e instrumentos musicais. No sétimo andar, clientes frequentavam o restaurante e outros eram atendidos na barbearia. Foi quando uma fumaça começou a ser percebida no terceiro pavimento. Em pouco tempo, chamas de até 800 ºC assombravam a loja – por fora, formava um bloco único, mas, na verdade, era um conjunto de quatro prédios que passaram por ampliações e reformas. Na esquina da avenida Otávio Rocha com a rua Doutor Flores, o fogo nas Lojas Renner se transformaria na maior tragédia da capital e num dos dez maiores incêndios do país. Houve 41 mortes e cerca de 60 feridos. Nos 45 anos da tragédia, o Instituto-Geral de Perícias (IGP) recupera informações e fotografias em seus arquivos.

Em menos de meia hora, peritos do então Instituto de Criminalística – órgão pertencente à Polícia Civil e à Secretaria da Segurança Pública– já observavam o local. Dois dias depois, tiveram acesso ao prédio, iniciando um levantamento que duraria oito dias. Também ouviram testemunhas e analisaram registros fotográficos. Onze quesitos, elaborados pela autoridade policial, deveriam ser respondidos. O principal deles era o quinto: pode ser determinada a causa que deu origem ao incêndio?

Os nove andares – uma área de 8 mil metros quadrados – foram vistoriados por peritos criminais com formação em Engenharia. Nos escombros, eles observaram o que sobrou das estruturas de alvenaria, divisórias internas de madeira, redes hidráulicas, escadas e elevadores. As instalações elétricas receberam maior atenção. Tomadas foram desmontadas em busca de indícios de curto circuito. A única irregularidade da rede elétrica foi encontrada em um aparelho de ar condicionado do quarto pavimento. Uma pequena gota de ferro fundido, com aspecto semelhante a uma pérola, indicava um curto circuito. Mas o laudo concluiu que o curto foi consequência da ação das chamas, ou do calor da grade metálica, e não a causa do incêndio.

Os peritos também avaliaram as condições arquitetônicas do local. A escada social tinha um metro de largura – metade do que preconizavam as normas técnicas de segurança da época –, insuficiente para a evacuação. As janelas, fechadas hermeticamente, armazenaram os gases tóxicos e impediram o acesso dos bombeiros aos andares mais altos. E as cortinas metálicas corta-fogo, em modelo que demandava que fossem desenroladas, sequer foram usadas.

Três dos quatro blocos que formavam o prédio desabaram. O fotógrafo criminalístico Roberto Bacelar conseguiu caminhar por vãos de cerca de um metro de altura, que separavam os andares. “Como em todos os trabalhos, procurei fazer imagens que cobrissem 360 graus, com fotos que mostrassem os ângulos retos, os horizontais e verticais. Lembro de subir no prédio ao lado para fotografar os escombros”, rememora o aposentado de 82 anos. As 178 fotos que ilustram os laudos produzidos pelos peritos são de Bacelar, que recorda ter usado uma câmera Rolleiflex, com rolo de filme de 120 milímetros. A revelação era feita na Seção de Fotografia do instituto. “Esse incêndio marcou a todos pela grandeza. São perícias especiais, que marcam a carreira”, comenta o fotógrafo.

Os prédios ao redor da loja também foram periciados pelo perito criminal Ciro Russowsky. “O Armazém Riograndense, que ficava ao lado, veio todo abaixo”, relembra. Ele afirma que a perícia em incêndios requer conhecimentos de química, física e engenharia. “Naquela época, as perícias eram mais artesanais, mas não dispensavam o conhecimento científico”, pontua Russowsky.

O laudo teve como relator o perito criminal Gilberto Morás Marques, como co-relator, João Bosco Abs da Cruz, e como revisor, Paulo Roberto do Amaral Holsbach. Assinado em 14 de julho de 1976, foi entregue à 1ª Delegacia de Polícia da capital. Na página 20, trouxe a conclusão sobre a causa do incêndio: “ação de corpo ígneo (cigarro ou palito de fósforo) caído ou lançado, acidental ou propositalmente, sobre material combustível”.

O fogo teria iniciado nos fundos do 1º andar, próximo à escada de emergência – onde estavam embalagens plásticas, palha e o depósito de tintas e solventes que, pelo impulso de uma fagulha, provocaram grandes explosões. O laudo relata que 15 extintores de incêndio usados foram encontrados no lance de escadas imediatamente superior ao do 1º andar. Isso levou os peritos à conclusão de que a escada acabou obstruída logo no início do fogo e serviu como uma chaminé, que propagava a fumaça verticalmente para andares mais elevados. Os documentos fornecidos pela empresa que fazia a manutenção nos extintores afirmam que a quantidade destes equipamentos era até maior do que a necessária – mas a posição em que estavam impediu que fossem usados. No dia do incêndio, estava sendo feita uma vistoria nos extintores.

O episódio que marcou para sempre a história da Capital provocou intensos debates sobre segurança e prevenção contra incêndios, desencadeando uma série de mudanças e aperfeiçoamentos na legislação. Desde aquela época, o trabalho técnico e científico da perícia se mostrou fundamental para desvendar fatos, apontar causas e contribuir à evolução das normas públicas de proteção da sociedade.