Carolina Silva de Oliveira, 18 anos, lactante, sofreu os efeitos de uma doença autoimune, a mielite transversa. Ocorreu no período pós-parto. Ela fez tratamento com altas doses de corticoides para tratar inflamação na medula, teve duas internações hospitalares para exames diagnósticos e tratamento da dor. Houve perda de força, resultando em paraplegia. Usou cadeira de rodas por um período de três meses (foto), de maio a julho deste ano.
Teve melhora significativa, voltou a andar e amamentar (havia interrompido durante tratamento mais pesado, quando usou inclusive morfina). No período inicial de melhora, 26 de julho, fez a primeira dose da vacina com o imunizante da Astrazeneca/Oxford. A enfermeira da unidade de saúde Vila Jardim, prudente, havia recomendado o imunizante Pfizer desde a primeira dose, considerando o caso. A recomendação aconteceu de boca, sem nenhuma validação por documento, portaria ou nota técnica que orientasse aos profissionais da Saúde (o caso é raro, afinal). No Cartão de Vacinação, consta que a segunda dose já poderia ter sido aplicada desde o dia 4 de outubro.
“Como não havia esse documento”, explicou a mãe, Claudia Regina da Silva, “percorremos várias unidades que tinham o imunizante e foi negado”. No Postão da Cruzeiro, segundo Claudia, a enfermeira leu uma nota técnica que dizia que a Pfizer era só para gestantes e a Carol deveria receber outra vacina, apesar do que houve após a primeira dose da Astrazeneca/Oxford (a reação à primeira dose trouxe de volta as dores e a paraplegia, mesmos sintomas ocorridos no auge da crise de mielite).
Além da Ouvidoria da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), as duas foram orientadas a procurar o médico que detectou e trata a paciente por causa da mielite transversa, doutor Alessandro Finkelsztejn, renomado neurologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Ele havia orientado a observação dos sintomas após a primeira dose, e forneceu o laudo indicando a Pfizer. Sem esse laudo não haveria o processo.
Carolina passou cinco dias com os mesmos sintomas da doença (sem conseguir andar, dores fortes na cervical, pernas e dor de cabeça). “E não são efeitos comuns da vacina”, desabafa Claudia Regina.
SMS acompanhou o caso
Na Unidade Básica de Saúde Vila Jardim, uma enfermeira acompanhou o caso desde o princípio. Houve visita domiciliar durante o período de paraplegia, e fornecimento de sondas necessárias para tratar a bexiga. Também foram orientadas sobre o encaminhamento da burocracia necessária à transversalidade da vacina, uma vez que o caso é raro, sem previsão na normatização vigente por portarias do Ministério da Saúde. Os gestores municipais não querem correr o risco de prescrever o que não está previsto, sem que haja esse respaldo legal, enquanto a jovem Carolina permanece sem vacina, no limbo dos escaninhos burocráticos.
Após idas e vindas, a Secretaria Municipal de Saúde entrou em contato com a mãe da paciente e ficou de informar o local onde a jovem deveria comparecer para fazer a segunda dose com o imunizante Pfizer. Aparentemente, a Prefeitura já havia encontrado um meio de resolver a burocracia e agilizar a vacinação. Contudo, após duas semanas de tratativas, ainda não havia uma resolução do caso. “Eles entraram em contato novamente, mas agora informou outra coisa. Parece que é preciso pressionar a Vigilância Sanitária estadual, que deve chancelar a aplicação da segunda dose com a Pfizer, pois o caso não é previsto em portaria Federal”.
Enquanto isso, Carol continuava sem receber a segunda dose, apesar de já haver transcorrido o tempo necessário para recebê-la. Após um mês, segundo a mãe, desde que foi formalizada a notificação, houve a autorização para a intercambialidade da vacina. Um alívio para a família, que reuniu a papelada necessária à aplicação da vacina. A orientação foi procurar a coordenadora do Posto de saúde Modelo, que atendeu após um tempo de espera. Já estava ciente da situação e, por mensagem no What’sApp, conversou com a enfermeira responsável pela unidade. E lá se foram as três, mãe, filha e neta.
Na chegada, uma moça perguntou a Carol o que desejava e ela respondeu que era intercambialidade, segunda dose da vacina e precisava falar com a enfermeira. Então veio uma outra servidora e disse que não poderiam furar a fila, e a enfermeira estava ocupada, indisponível para falar. A mãe respirou fundo, mostrou que já estavam na fila e a coordenadora do posto havia solicitado que a enfermeira fizesse valer a autorização. Permaneceram na fila, sem retorno da enfermeira. Chegaram no atendimento e foi preciso contar tudo outra vez, mostrar documentos, etc. A moça do guichê chamou outra atendente, que perguntou a Cláudia: “Afinal, o que ela vai fazer?”. E ouviu como resposta que era a vacina da Pfizer. E essa outra mulher, para o desespero da mãe, respondeu que não!
Cláudia Regina precisou argumentar tudo outra vez, tintim por tintim; mostrou documentos. A pessoa informou que iria ler o processo de tramitação burocrática na Prefeitura (são 94 páginas!). A servidora municipal afastou-se, falou com alguém e, por sorte, essa quarta pessoa, finalmente, autorizou a aplicação da Pfizer.