Ídolo, decisivo, craque e campeão. Hoje, a Maior e Melhor Torcida do Rio Grande se despede de um atleta que foi tudo isso – e muito mais. Luís Ribeiro Pinto Neto, o Lula, fez história com a camisa 11 colorada. Ponta-esquerda eternizado na biografia do Clube do Povo, o pernambucano de Arco Verde faleceu nesta sexta-feira (11/02), aos 75 anos, em decorrência de uma parada cardíaca.
A genialidade de Lula, que se diga, não foi privilégio testemunhado exclusivamente por colorados e coloradas. Quando contratado pelo Inter, em 1974, o veloz atacante já ostentava currículo gabaritado, que contava com passagens por ABC-RN, Ferroviário-RN, Palmeiras e Fluminense. Estrela no Rio, o atleta desembarcou na capital gaúcha com a responsabilidade de elevar o patamar do elenco vermelho, expectativa nutrida não somente pela torcida, mas também por Rubens Minelli, comandante que chegara ao Inter poucos dias antes do ponta-esquerda.
“Quando eu fui conversar com o presidente (Eraldo) Herrmann, eu falei ‘olha, eu vou ser sincero, nós precisamos de reforços. Agora, entenda bem: eu não quero novidades, eu quero reforços. Você tira um titular de outro time, na posição que eu quero, e me traga. O reserva dele não serve pra mim. Eu quero um titular.’ Aí foi quando nós trouxemos o Lula, e depois o Flávio.”
Rubens Minelli
Os valores envolvidos na transferência de Lula reforçavam a fé depositada pela diretoria colorada no futebol do ponta-esquerda. Ao Fluminense, que detinha seus direitos, o Clube do Povo ofereceu 1 milhão de cruzeiros, enquanto o atleta aceitou salário na casa dos 18 mil mensais. A partir da estreia do camisa 11, contudo, todos perceberam que o preço era até baixo para um jogador com tamanha capacidade de decisão nas quatro linhas. Logo na primeira partida de vermelho, o craque participou ativamente de vitória de 2 a 1 do Inter, até então Penta do Rio Grande, em cima do Grêmio.
O correr das primeiras semanas que sucederam a estreia de Lula deixou claro que, com a chegada do camisa 11, o Inter passava a exibir maior equilíbrio pelos lados do campo. Já nas graças do povo vermelho, Valdomiro era o patrão do corredor direito, mas carecia, até então, de companheiro dono de futebol à altura do seu. Ofensivo pelas pontas, o Inter encerrou o primeiro semestre como quarto colocado no Brasileirão, torneio conquistado pelo Vasco.
Já no fim do ano, o time de Minelli conquistou o sexto Gauchão consecutivo, este erguido com incríveis 100% de aproveitamento. Protagonista, Lula brilhou nas duas campanhas. A nacional, o atleta encerrou com golaço em cima do futuro campeão, enquanto a caminhada estadual contou com participação decisiva do camisa 11 na jogada do gol do título, marcado por Valdomiro em cima do Grêmio.
O gol do título gaúcho de 1974
Chegava 1975 e, com ele, mudanças no calendário do futebol brasileiro. O Campeonato Nacional, a partir de então, seria jogado no segundo semestre, com a disputa dos Estaduais abrindo o ano. A novidade permitiu que o Inter, já famoso por seu futebol envolvente, realizasse um excursão pela Europa, fundamental para reforçar o entrosamento do time. De volta ao Beira-Rio, o Clube do Povo logo se sagrou Hepta do Gauchão, título que passou, é claro, diretamente pelo futebol técnico, irriquieto e impetuoso do sangue quente camisa 11 alvirrubro.
Por falar em sangue quente, Lula também fez fama pela vida ativa fora dos gramados. Atleta rebelde, o camisa 11 causava dores de cabeça em diretoria e comissão técnica, mas apenas durante a semana. Nos domingos, como confidenciara em icônica frase o presidente Frederico Arnaldo Ballvé, o ponta-esquerda tratava de incomodar os adversários. E isso ele fazia com poucos, graças à imparável velocidade e aos dribles desconcertantes.
Verso final da poética escalação que conquistou o Brasil no dia 14 de dezembro de 1975, Lula foi um dos grandes destaques do desbravador Inter que trouxe a primeira taça nacional para o Sul do país. Na primeira fase do Brasileiro, o camisa 11 brilhou com dois gols na importante vitória de 5 a 0 do Clube do Povo sobre o Vitória, na segunda rodada, e também marcou pela primeira vez em Gre-Nais, anotando o tento alvirrubro em empate de 1 a 1.
Lesionado em parte da segunda fase, Lula foi importante na terceira, compreendida por octogonal que antecedia as semifinais. Classificado para as eliminatórias graças aos critérios, que também foram benéficos ao Santa Cruz, e prejudiciais ao Flamengo, o Inter conquistou vitória fundamental na antepenúltima rodada da chave, quando visitou o Náutico. O triunfo, por 1 a 0, foi conquistado com gol do camisa 11.
Na semifinal, o ponta-esquerda brilhou justamente contra seu ex-clube. Dono da badalada Máquina Tricolor, o Fluminense de Felix, Marco Antônio, Rivellino, Paulo Cezar Caju, Gil e companhia não foi páreo ao Clube do Povo, que silenciou mais de 100 mil pessoas a partir do minuto 33 do primeiro tempo, instante em que Lula recebeu lindo passe de Falcão, invadiu a área rival e, mesmo sem ângulo, finalizou com força e estilo, sem chances para Félix. Golaço, que seria acompanhado, na etapa final, por outro de Carpegiani. Inter 2 a 0 no Maracanã!
Quando acordaram,
já não dava mais.
Quase levaram o terceiro!“
Lula
Lula passou a semana de véspera da finalíssima lesionado. Com o joelho inchado, era dúvida para o confronto diante do Cruzeiro, interrogação que persistiu até a entrada dos times em campo, quando, conduzido pelo capitão Figueroa, o Internacional despontou diante de grande festa no gramado do Beira-Rio. Cronometrado, o destino tratou de postergar o mistério até o revelador dissipar da neblina dos foguetes. Neste instante, sorrisos na Padre Cacique: ele estava no gramado. O camisa 11 era titular!
“Não vou ficar fora desta decisão de jeito nenhum!” Lula
O Brasileirão de 1975 encerrou um ano mágico para o Inter na mesma medida em que inaugurou outra temporada inesquecível. Pela primeira vez na história, uma equipe gaúcha disputaria a Libertadores, torneio iniciado, de parte do Colorado, no dia sete de março de 1976, data de uma das melhores partidas de futebol no século XX. No Mineirão, Clube do Povo e Cruzeiro travaram embate espetacular, encerrado em 5 a 4 para os locais. Responsável por abrir o escore vermelho, Lula inaugurou, a partir de lindo canhotaço, a lista de goleadores alvirrubros no principal campeonato do continente.
No Gauchão de 1976, Lula viveu uma nova experiência com a camisa vermelha; a de artilheiro de título. Diante de dezenas de milhares de colorados e coloradas, o ponta-esquerda marcou o primeiro gol do Inter na finalíssima estadual, partida disputada, no Beira-Rio, diante do Grêmio. Dario também balançaria as redes tricolores na ocasião, garantindo o inédito e jamais igualado Octa do Rio Grande do Sul.
No Nacional, Lula seguiu algoz do rival, marcando duas vezes na vitória de 3 a 1 conquistada pelo Inter na segunda rodada do torneio. Titular ao longo de toda a campanha, o ponta-esquerda foi, como de costume, uma das estrelas na campanha campeã, caminhada esta que se mantém, até hoje, como a melhor da história do Brasileirão, e que consagrou o Inter vencedor, após triunfo de 2 a 0 sobre o Corinthians, com incríveis 84% de aproveitamento.
O Internacional lamenta a partida de um dos grandes ídolos de sua história, e se solidariza com a dor de amigos e familiares. No Clube do Povo, Lula será sempre lembrado como o eterno proprietário do corredor esquerdo de ataque do Beira-Rio, setor de campo que desbravou com a maestria e agressividade que lhe eram costumeiras. Obrigado por tudo, ídolo!