“Tenho muitos amigos na Ucrânia e isso é pior coisa. Porque nos sentimos obrigados a odiar os amigos. Eu não quero sentir esse ódio.”, foi assim que encerrou a minha conversa no BandNewsTV, com a moradora de São Petesburgo, Catarina Semenova. Ela que atua como Guia sempre encantou os turistas brasileiros por sua alegria, disposição, riso fácil e as histórias da Rússia, que conta com leveza e humor. Carinhosa e prestativa, Catarina em seus passeios se dividia entre uma visão otimista e outra realista do País que vive. Moradora de São Petesburgo, onde nasceu em 1981, na época chamado Leningrado. Passou os primeiros 10 anos da sua vida na poderosa União Soviética e viu com olhos infantis sua dissolução. Graduada pela Universidade Estatal de São Petersburgo, tem especialização em letras e línguas romanas. Fala fluente português, espanhol, francês, inglês e italiano. Catarina se apaixonou pelo Brasil assistindo novelas, em especial “Escrava Isaura”. Seja pelo romance, pela esperança, pelos costumes diferentes e os cenários. Foi isso que a levou a querer estudar Português e conhecer o Brasil.
Decidi entrevistar Catarina, após assistir uma “live” dela com a publicitária Maira Franz, elas se conheceram quando a gaúcha e o marido viajaram ao leste europeu e contrataram a guia. Afinal, o mundo assiste hoje, a movimentação bélica mais perigosa, desde a crise dos mísseis em Cuba. Sem a solução diplomática, seguiremos assistindo em tempo real a atos de guerra e crimes contra a humanidade jamais vistos, desde o nazismo. Por isso, quis ouvi-la sobre o dia a dia na Rússia de onde as informações saem monitoradas pelo governo Putin, já que os correspondentes se posicionaram no interior e fronteiras da Ucrânia.
Catarina também exerce a função de tradutora, numa empresa que comercializa equipamentos médicos. Segundo ela, a situação é difícil para cem por cento da população. “Na guerra não tem vencedores, todos perdem e todos vão perder mais”, desabafou a turismóloga, que já divide a sua vida em duas partes: antes e depois do 24 de fevereiro. Ela diz que não consegue dormir, e acorda de madrugada porque ainda não acredita no que está acontecendo, mas é a realidade.
“Ninguém quer guerra, ninguém quer o conflito militar. Oficialmente, nas notícias da Rússia, não aparece a palavra guerra, aparece conflito militar. Queremos que isso acabe logo”.
A Rússia é um dos maiores produtores mundiais de petróleo e gás natural e também a nação que possui o maior arsenal nuclear do planeta. Uma interferência de forças militares da OTAN, pode desencadear uma guerra nuclear. O presidente Vladimir Putin deseja, de forma permanente, estacionar soldados na Ucrânia, indo além do desejo de manter o país fora da Organização do Tratado do Atlântico Norte. Qualquer um que impeça o seu caminho, já alertou, deve estar pronto para enfrentar consequências jamais vistas.
Se as sanções econômicas anunciadas por Estados Unidos, Reino Unido e União Européia surtirem efeito, haverá uma chance de negociações, mas o presidente russo não deve retroceder para admitir que falhou como estrategista. Milhares de russos estão tomando as ruas em protestos. Esta semana, o Banco Central da Rússia fechou o mercado para evitar “derretimento”, e aumentou a taxa de juros (9,5 para 20%). Um Rublo já está valendo menos do que um centavo norte-americano
Semenova entende que os russos, por enquanto, ainda não estão sofrendo como os ucranianos, porque a maioria possui teto e comida na geladeira, ao contrário dos residentes no país vizinho, que dormem no metrô e estacionamentos subterrâneos. “O que dói muito é que o ucraniano é o povo mais próximo do russo, comparado a qualquer outro. Etnicamente, historicamente. Temos a mesma religião ortodoxa, o mesmo passado e crença religiosa. Temos devoção pelos mesmos santos. Muitas pessoas têm parentes e amigos na Ucrânia. Ucraianos moram em São Petesburgo. Para nós, não é apenas um coflito militar e guerra civil, mas um confronto fratricida”.
Sobre o contato com ucranianos, explica que é possível manter comunicação por celular e internet, mas a imprensa oficial russa ela não considera um meio confiável para compreender o conflito, então utiliza o fato de ser fluente em várias línguas para formar um entendimento mais próximo da realidade, buscando informações na imprensa ocidental.
Perguntada sobre os efeitos das sanções econômicas, declarou que já são observados no cotidiano. “Em dois dias, os preços subiram mais do que o dobro. Medicamentos, sobretudo, já sumiram das farmácias. Há grandes filas no bancos, porque alguns cartões já estão bloqueados, como Visa e Mastercard”. Catarina contou que os juros dos financiamentos imobiliários foram reajustados, de 10% para 15%. E muitos pessoas já perderam o emprego, logo nos primeiros dias do conflito. “Fecharam montadoras de automóveis. Aqui em São Petesburgo, 10 mil estão desempregados, apenas na cadeia automotiva”.
O problema do desabastecimento, salientou, por enquanto inexiste, embora algumas pessoas já estejam comprando itens que podem, supostamente, desaparecer das prateleiras. Ela lembrou, ainda, que várias pessoas têm hortas e existe uma cultura de agricultura local. “No pior cenário, isso poderia servir para amenizar a fome, como já foi feito em guerras anteriores”. Em diferentes momentos, Catarina ressaltou um pensamento que aflige a ela e todos que não querem o conflito com seus amigos e em muitos casos parentes ucranianos, “Para nós, não é apenas um conflito militar ou guerra civil, mas um confronto fratricida.”. Como disse Erich Hartman, piloto de caça alemão e ás de caça de maior sucesso na história da guerra aérea, um homem que voou em 1.404 missões de combate e participou de combates aéreos em 825 ocasiões diferentes. “A Guerra é um lugar onde jovens, que não se conhecem e não se odeiam, se matam, por decisões de velhos que se conhecem e se odeiam, mas não se matam.”