O texto que ora publica o Portal Bonifácio foi escrito pelo economista, professor e ex-presidente do BNDES Carlos Lessa (Rio de Janeiro-RJ, 30/07/1936 – Rio de Janeiro-RJ, 05/07/2020) a título de prefácio para o livro Raposa-Serra do Sol – O índio e a questão nacional, de 2010, de autoria do ex-ministro e ex-deputado Aldo Rebelo.
A atualidade do escrito de Lessa reside exatamente no seu conteúdo nacionalista ao considerar a questão indígena como parte da questão nacional e não em antagonismo com ela, como querem vozes do neocolonialismo contemporâneo travestido de conservador ou progressista.
Editora Thessaurus, 2010, 128 páginas.
*Carlos Lessa
A formação nacionalista e a opção política amadurecida e coerente levaram o deputado Aldo Rebelo, na Presidência da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, a assumir integralmente a questão do índio brasileiro. Nos últimos anos, em paralelo a sua atuação parlamentar, escreveu ensaios e concedeu entrevistas que, em conjunto, permitem ao leitor refletir sobre a importância do tema do índio brasileiro para o futuro nacional. Fui honrado com o convite para apresentar o conjunto dos textos. Estou advertido e plenamente convencido pelos argumentos apresentados pelo autor. À guisa de introdução, quero destacar alguns pontos.
O pano de fundo que envolve as preocupações de nosso autor é a desconstrução do conceito de nação. A maré ascendente da ideologia neoliberal prioriza o papel do mercado e o coloca como o modo principal e central de organização de uma economia globalizada. O mundo globalizado não teria história, substituída pela otimização e harmonia do mercado dominante; nessa retórica, o Estado nacional é substituído por uma constelação de corolários ideológicos. Cabe, inicialmente, diferenciar a “bondade” do discurso ideológico de sua instrumentalização concreta. Duas dimensões devem ser sublinhadas: a primeira reside na hipocrisia fundamental do discurso da globalização e da exaltação da competitividade interempresarial pelas fações do mercado global. Os neoliberais preconizam a eliminação de todas as barreiras institucionais e operacionais e pressionam para a “livre movimentação” de capitais, empresas tecnologia, operações financeiras e mercadorias. Contudo, e aí está a hipocrisia a que nos referimos, se silencia quanto à livre movimentação das populações e da força de trabalho. No mundo globalizado, barreiras migratórias como o Muro do Rio Grande, entre os EUA e o México, vêm se multiplicando. Ao circunscrever as populações nacionais a seus territórios de nascimento, residência e permanência, mantém-se a questão social como uma questão nacional. A retórica da solidariedade internacional é praticada, porém o orçamento das Nações Unidas para pôr em prática a Carta dos Direitos Fundamentais da Pessoa Humana é esvaziado. Assim sendo, os países dominantes, por suas empresas, preservam para si a mão de obra barata e desprotegida. Suas multinacionais concentram as funções de planejamento, pesquisa e desenvolvimento tecnológico em seus Estados nacionais. Na pauta internacional, o tema da questão social foi substituído pela questão do meio ambiente. O desenvolvimento como sonho inspirador de esforços nacionais foi considerado uma indevida e ineficiente presença ampliada no Estado nacional. Uma campanha orquestrada sugere que o planeta está em risco ambiental, o que faz da não renovabilidade de uma ampla gama de recursos uma ameaça, em longo prazo, à pretensão da periferia pobre do mundo de alcançar padrões de vida mais adequados. É preciso sublinhar eu as potências centrais – que gastam a maior parcela dos recursos energéticos e minerais não renováveis – não têm adotado políticas de preservação ambiental, mas impõem duramente o tema como argumento desqualificante das pretensões desenvolvimentistas periféricas.
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