Porto Alegre, domingo, 19 de maio de 2024
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Artigo: O STF e o Estado de Direito, por *Alexandre Wunderlich/O Estado de São Paulo

Detalhes Notícia
Supremo Tribunal Federal Foto: STF

 

 

O Presidente sancionou a Lei 14.197/21, que incluiu no Código Penal os crimes contra o Estado Democrático de Direito. A legislação atendeu aos reclames internacionais e revogou a Lei de Segurança Nacional. O texto criou oito figuras penais, todas em franca defesa do Estado de Direito e suas Instituições Democráticas.

A Constituição Federal de 1988 trouxe preceitos básicos, cuja compreensão é essencial à caracterização da ordem democrática. É evidente que ao Estado de Direito cabe viabilizar a preservação e a efetivação das práticas republicanas e só o seu fortalecimento é capaz de concretizar os direitos fundamentais. A nova lei reafirmou o nosso interesse na proteção do Estado, bem como de suas instituições, que estão legitimamente previstas na ordem constitucional.

Dentre os crimes, estão as figuras da abolição violenta do Estado Democrático de Direito e do golpe de Estado. Um governo legitimamente constituído é a base de um Estado Democrático do Direito. Logo, nada mais grave que o colapso da ordem institucional. Tentar depor ou abolir o governo, ou seja, tentar pôr no chão um governo legítimo, por meio da força – grave ameaça ou violência – é crime grave, de alto potencial ofensivo.

Agora, nos autos do famoso Inquérito 4.874/DF no Supremo Tribunal Federal, instado por uma notícia crime que lhe foi endereçada, o Ministro Alexandre de Moraes determinou medidas cautelares emergenciais, que visam apurar fatos que foram divulgados na imprensa, no sentido de um suposto golpe de Estado.

Tem-se questionado a legalidade processual da decisão, uma vez que não partiu de pedido da Procuradoria Geral da República. Uma questão técnica: o modelo processual acusatório adotado na Constituição impõe que o Juiz seja um espectador do processo, que não atue ex officio, sobretudo em sede de investigação, uma atribuição dos órgãos de controle do Estado. Contudo, outra regra jurídica regimental permite ao STF certa atuação, como tem acontecido na prática.


Independentemente do desfecho jurídico da discussão sobre a legalidade constitucional da atuação do STF, o que se deve apurar é o fato determinado, se há real interesse, não meramente hipotético, na realização de um ataque contra o Estado Democrático de Direito, seja pelo financiamento de um eventual golpe, seja pela interrupção do processo eleitoral ou qualquer outro modo. Esse tipo de crime consuma-se com a realização de uma ameaça ou violência com a finalidade de ataque ao governo federal, um elemento adicional que não é de simples comprovação e merece, por ser grave, apuração.
O que se tem, ao final, é uma medida de cautela em defesa dos poderes constitucionais, que se justifica pela importância do valor protegido, para se impedir antecipadamente qualquer risco à democracia.

*Alexandre Wunderlich
Advogado e Professor de Direito Penal

**Artigo publicado originalmente em ‘O Estado de São Paulo’