Porto Alegre, terça, 26 de novembro de 2024
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Dos ensinamentos de Paulo Vellinho, 'O Brasil pode ser o País do futuro, mas não quer'; por Felipe Vieira

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O Brasil perdeu um homem de visão, empreendedor e cavalheiro. Nos pouco mais de 30 anos em que tive o prazer de entrevistar e desfrutar da companhia de Paulo D’Arrigo Vellinho, sempre recebi dele informações preciosas e conselhos certeiros. Há dois dias, véspera do feriado da Independência, tentei conversar com ele e cumprimentá-lo pela passagem dos seus 95 anos de vida. Não atendeu ao telefonema, mas deixei um recado com a filha, Suzana, que herdou todas as qualidades do pai.

Ano passado, após os cumprimentos que enviei por sua data natalícia, enviou-me uma mensagem falando sobre os 94 anos de vida. Na última em vez que estivemos juntos, comentou com carinho a entrevista que fiz para o SBT, por ocasião do lançamento de sua biografia, escrita pelo jornalista Mario de Santi. A obra narra a trajetória de mais de 60 anos de empreendedorismo, em especial a transformação, sob seu comando, da Springer, que se tornou uma potência nacional no setor eletroeletrônico.

Em Porto Alegre, por exemplo, quase ninguém recorda, houve uma fábrica de televisores perto da Estação Rodoviária. Em parceria com um grupo norte-americano, Vellinho esteve à frente do projeto que colocou no mercado nacional os televisores Admiral, produzidos pela Springer. A empresa também lançou um dos primeiros aparelhos portáteis de televisão em cores do Brasil. Em 1974, o Solarcolor, com tela de 13 polegadas, teve o técnico da seleção brasileira, Zagallo, como garoto propaganda.

Na entrevista citada acima, quando ele nos recebeu em seu escritório, conversamos demoradamente e, somente depois, na hora da edição, descobrimos que houve um problema técnico no material coletado. Cheio de vergonha, liguei para ele. Vellinho entendeu e, prontamente, marcou uma nova gravação para o dia seguinte. Atendeu-me, como se nada houvesse acontecido e, de lambuja, acrescentou novas visões ao que tínhamos conversado.

A vida do empresário e visionário não pode, e nem deve, ser resumida pelos cargos que ocupou. E isso não seria pouco para o homem que, nascido em Caxias do Sul, presidiu a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (FIERGS) e o Centro das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (CIERGS), entre 1971-1974, e a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), de 1989 a 1992, além da Associação Gaúcha de Avicultura. Atualmente, apesar da idade avançada, entre tantas outras funções associativas, integrava o Conselho Superior da Associação Comercial de Porto Alegre.

Formado em Química Industrial na UFRGS, em 1949, direcionou sua atividade à administração, destacando-se na presidência das empresas Coemsa Ansaldo e Springer. Foi presidente do Conselho da Klift Ar-Condicionado, e atuou no Grupo Avipal como condição de vice-presidente. O Currículo bem mais extenso, entretanto, não descreve o afeto e a atenção que dedicava aos que trabalharam e se relacionaram com ele.

“Não existe um ponto de minha vida que me marcou. Em cada passo que dei, enfrentei desafios e venci. Minha vida empresarial é uma sequência de fazer e vencer, ou fazer e perder. Principalmente, fazer. O erro é importante, acompanha a gente, e só não erra quem não faz. Minha história é uma somatória de erros e acertos, em cima do erro eu construí o sucesso”, afirmou o empresário em nossa conversa gravada para o SBT.

Ao questioná-lo sobre qual a nação que estaria mais preparada para se consolidar como a próxima grande potência global, não titubeou. “Quem está preparado para ser o próximo centro do mundo é a China, porque o país elegeu o homem como objetivo principal da nação, e investiu nele em termos de saúde, educação e cultura”.

Sobre o futuro de nosso país, Vellinho tinha uma visão bem mais crítica e cética. “O Brasil pode ser o país do futuro, mas não quer. Talvez haja vontade política, mas o posicionamento é equivocado. Os políticos só querem tirar do Brasil, não querem dar. Eles sabem qual é o caminho certo, mas não lhes convém uma sociedade melhor, porque iriam perder poder. Eles sabem como fazer, mas não querem. Não interessa aos políticos uma sociedade melhor”.

Para os jovens brasileiros e gaúchos, Vellinho aconselhava: “Perseverem, mas exijam, porque perseverança não pode ser uma palavra vazia. O homem gaúcho, com essa rica mistura étnica, tem tudo para ser um vencedor, mas necessita aumentar o compromisso com a sociedade, ao invés de pensar em si próprio”.  Um homem educado, carinhoso e perseverante. É assim que vou lembrar dele. RIP, Dr Paulo Vellinho !