Porto Alegre, quinta, 28 de novembro de 2024
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RS: Homens em situação de violência se reúnem em grupo de psicoterapia

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Psiquiatra Nélio Tombini conduz o trabalho realizado junto 1º Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Porto Alegre. Foto: Juliano Verardi/ DICOM

 

 

J. não dá muitos detalhes, diz que bebeu, reconhece que agiu mal com a agora ex-mulher. “Foi uma briga, estava alcóolico, foi besteira minha, cabeça quente”, lembrava o homem de 32 anos, enquanto aguardava no 10ª andar do Foro Central I da Comarca de Porto Alegre o começo do grupo de psicoterapia (GP), do qual participa ao lado de outros homens em situação de violência.

A iniciativa da reunião – em que todos os participantes estão cumprindo medida protetiva – integra as ações do Projeto Borboleta realizadas no âmbito dos dois Juizados da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Porto Alegre. Ainda um projeto-piloto, o GP acontece semanalmente com a coordenação do médico psiquiatra e escritor Nélio Tombini. Essa turma teve o quarto de seis encontros no dia 26/10.

O grupo de psicoterapia, assim como os grupos reflexivos de gênero (GRG), é um dos tipos de encaminhamento cujo objetivo fundamentalmente reeducativo tem previsão na Lei Maria da Penha, com vistas ao combate à violência de gênero.

Psicóloga do TJRS, Ivete Machado Vargas explica a diferença. O GRG, implementado há mais tempo no 1º Juizado, tem caráter voltado à psicoeducação, através de reflexão sobre temas como masculinidade, gênero, comunicação não-violenta, parentalidade, entre outros. Já o grupo de psicoterapia é mais voltado à saúde mental. “São objetivos diferentes, embora não se invalidem”, sintetiza a profissional, agregando que é possível a participação nas duas atividades.

Fazer pensar

Grupo de psicoterapia reúne no Foro Central de Porto Alegre homens em situação de violência. Foto: Juliano Verardi/ DICOM

Sobre o GP, J. acrescenta que assistiu à primeira reunião em silêncio, mas já conseguiu conversar na seguinte. Está achando boa a possibilidade de ouvir e compartilhar experiências com o médico e os demais participantes. “O cara pensa mais um pouco”, disse de si mesmo.

E pensar não faz mal, segundo Tombini. “A ideia do grupo é trazer um pouco de percepção, de insight, para que consigam entender de maneira um pouco diferente do porquê estão aqui, mudar um pouco da narrativa”, define o especialista, que assumiu voluntariamente a tarefa.

Alcançar o objetivo, porém, passa por superar obstáculos como lidar com pessoas desconhecidas e que não pediram para estar ali – a participação no grupo psicossocial é compulsória, a partir de apontamento dos magistrados dos JVDFM. Ainda há as queixas contra o Judiciário e as companheiras, cita Tombini.

Um outro participante, por exemplo, é T., de 44 anos. Afirma que cumpre a segunda medida protetiva em pouco tempo e sem motivos. Depois de ter passado por um relacionamento abusivo de quatro anos, saiu de casa e vai se separar da mulher com quem tem um filho e outro a caminho.

“Não é fácil trabalhar com um grupo que não te conhece, não te demandou. Eles estão aqui obrigados e irritados, aí chega eu, o ‘príncipe encantado’! Preciso quebrar essa barreira inicial”, revela o psiquiatra, para quem a experiência de duas décadas de trabalhos com grupos na Santa Casa e a facilidade para se comunicar ajudam. “Vamos ver como é que vocês podem sair disso melhor do que entraram, essa é a ideia”, costuma dizer aos participantes.

Os resultados do projeto-piloto dos grupos de psicoterapia estão sendo avaliados pelo Projeto Borboleta, coordenado pela Juíza de Direito Madgéli Frantz Machado, e a experiência ainda será repetida mais vezes esse ano. Por enquanto, a resposta de um primeiro grupo, finalizado há poucas semanas, surpreendeu o médico. Ao responderem a um questionário, 87% dos 25 participantes marcaram que o grupo foi bom, contra 13% que avaliaram como sem sentido. “É gratificante”, diz Nélio Tombini.

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