Porto Alegre, sábado, 04 de maio de 2024
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“É preciso acabar com o luto", diz José "Pepe" Mujica às vésperas dos 50 anos do golpe no Uruguai, por Marilyne Buda, da RFI

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Às vésperas do aniversário do golpe no Uruguai, o ex-presidente uruguaio José "Pepe" Mujica falou com exclusividade à RFI. No dia 27 de junho de 1973, o então presidente Juan María Bordaberry decretou a dissolução da Assembleia Geral. Foi o ponto de partida de uma ditadura civil-militar que durou 12 anos, até março de 1985.  O ex-presidente uruguaio, José Pepe Mujica, em entrevista à RFI. © RFI/Captura de vídeo.

 

 

José Mujica falou sobre os anos que antecederam a ditadura no Uruguai, o surgimento do Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros (MLN-T), as condições de seu encarceramento durante a ditadura, a participação do Uruguai no Plano Condor, a Lei de Caducidade da Pretensão Punitiva do Estado e os avanços em termos de justiça.

RFI: Boa tarde, ex-presidente José Mujica. Primeiramente, gostaria que o senhor nos falasse sobre os anos anteriores à ditadura, marcados por uma forte crise econômica e social. Como essa situação levou ao golpe?

José Mujica: Meu pequeno país viveu uma interessante “siesta”. Éramos o país mais igualitário da América Latina. Nos chamavam de Suíça da América na década de 1940. Estávamos relativamente bem no contexto da época, mas depois da Segunda Guerra Mundial, quando a Europa começou a se reconstruir e se fechou, houve uma mudança abrupta nos termos de troca e começamos a vender mais barato e comprar mais caro. Inevitavelmente, isso atingiu o Uruguai e a Argentina de tal forma que produziu um cataclisma que levou ao peronismo da Argentina e meu país viveu uma mudança política fenomenal. Havia uma força política, o Partido Colorado, que governou por 90 anos consecutivos e que, de repente, perdeu tudo, o governo e os municípios locais. Esse terremoto político foi alimentado pelo que estava acontecendo na economia. Os governos se tornaram cada vez mais autocráticos e fechados, e nossa experiência um tanto social-democrata que havia nos permitido a bonança econômica foi sendo deixada de lado. As medidas de segurança e as mudanças bruscas começaram a aumentar, num processo que deixou uma lição: uma sociedade que está relativamente bem e cai abruptamente sofre muito mais do que sociedades habituadas a estar submersas. Isso gerou uma série de mudanças no comportamento dos governos e nas respostas sociais. Até então, tínhamos três ou quatro centrais sindicais que foram se concentrando em uma única central. E, naquela época, na América Latina, devido à Guerra Fria, os golpes de Estado eram frequentes em todos os lugares. Nossa juventude estava impregnada e convencida de que com esse retrocesso íamos em direção a um golpe de Estado. Não sabíamos quando. Isso criou uma grande divergência entre nós. Sabíamos que a greve geral poderia ser uma arma formidável, mas para deter um golpe de Estado, ela teria que se transformar em uma insurreição. Isso foi um divisor de águas e alguns de nós optamos por uma preparação militar. Mas é impossível manter uma preparação militar clandestina em grande escala, então entramos em um processo difícil e duro que começou a questionar a metodologia e a forma de nossa democracia, que cada vez se tornava mais autoritária.

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