O vice-presidente de Relações Institucionais do Grupo Globo, Paulo Tonet Camargo, assumiu no começo de outubro a presidência da Associação Internacional de Radiodifusão (AIR). Tonet conversou, via e-mail, com o site do Instituto Palavra Aberta. Detalhou como será sua administração à frente da entidade, sobretudo no enfrentamento dos principais desafios do setor e do jornalismo profissional e independente como um todo. Destacou em especial a necessidade de acompanhar na vanguarda os avanços tecnológicos. “A TV conectada à internet se descortina como uma oportunidade de novos negócios e os comitês de tecnologia trabalharão na troca de informações e experiências entre sócios individuais e institucionais para buscar as melhores oportunidades para nossas emissoras”, disse. Também ressaltou que a entidade não se intimidará na defesa intransigente das liberdades de imprensa e de expressão nas três Américas. “Não tenho medo de ditadores, e nem de ditaduras!”, afirmou. Confira abaixo a entrevista na íntegra.
Instituto Palavra Aberta – Quais são os principais desafios enfrentados hoje pela radiodifusão das Américas? Quais as principais pautas da sua gestão à frente da AIR?
Paulo Tonet Camargo – A radiodifusão mundial terá muitos desafios nos próximos anos, e a AIR, como sempre, deverá estar na vanguarda do enfrentamento desta realidade.
Diante da evolução tecnológica para novos patamares da televisão e do rádio, temos que acompanhar de maneira muito ágil este desenvolvimento.
A AIR é o ambiente onde a radiodifusão americana discutirá tais inovações na busca das melhores soluções que atendam aos diversos países do continente. A TV conectada à internet se descortina como uma oportunidade de novos negócios e os comitês de tecnologia trabalharão na troca de informações e experiências entre sócios individuais e institucionais para buscar as melhores oportunidades para nossas emissoras.
Não podemos esquecer da disrupção que novos players, verdadeiros gigantes internacionais, trazem diariamente ao mercado.
Atualmente, talvez o maior problema seja a assimetria regulatória em relação à radiodifusão. Não é possível a convivência com a total ausência de responsabilidade das plataformas digitais, que distribuem conteúdo, monetizando esta atividade sem assumir as consequências dos danos que possam causar, seja de maneira direta a pessoas e empresas, ou difusa para toda a sociedade.
Hoje, tudo isto se agrava com o desenvolvimento da inteligência artificial que ameaça nossos conteúdos e que exige de nossos países uma tomada de consciência do risco que contém. As plataformas já solapam a imprensa profissional pela captura do mercado publicitário. Agora, existe o risco de criarem conteúdos artificialmente em cima do trabalho que fazemos. Este será um tema central para a AIR.
Há ainda uma tarefa incessante de nossa instituição, que é a defesa intransigente da liberdade de expressão.
Instituto Palavra Aberta – Como enfrentar um número significativo de autocracias na região, que vem acompanhada de dura censura?
Paulo Tonet Camargo – A defesa da liberdade de expressão está na gênese da fundação da AIR, em 1946, e é um dos pilares da democracia e um dos valores mais importantes da civilização.
Em seu papel histórico, a AIR sempre foi incansável na luta em defesa desta liberdade e continuará sendo.
Incrivelmente ainda há coisas muito graves acontecendo em nosso continente, como, por exemplo, colegas da Nicarágua que padecem de uma das mais cruéis e implacáveis ditaduras de nossos dias, e da Venezuela, onde o arbítrio do totalitarismo fechou e tomou emissoras que ousaram fazer jornalismo independente.
Como disse na reunião de maio em Santo Domingo, na República Dominicana, quando lançaram meu nome à presidência da AIR: não tenho medo de ditadores, e nem de ditaduras!
Instituto Palavra Aberta – Mesmo os países democráticos enfrentam ou recém enfrentaram retrocessos nas liberdades de imprensa e de expressão. Que fenômeno é este e qual é o papel do jornalismo nesse cenário?
Paulo Tonet Camargo – Retrocessos nas liberdades de imprensa e de expressão, assim como os ditadores, são pequenos e passam. Historicamente, o jornalismo profissional e independente de nossas emissoras continuou e aqui está.
Somos grandes no mister e na responsabilidade de nossas atividades e haveremos de continuar, porque temos consciência de nosso papel como pilar da democracia.
Nossa dedicação se traduz em frase impecável atribuída a Thomas Jefferson “o preço da liberdade é a eterna vigilância” e a AIR estará sempre vigilante na defesa da liberdade de expressão.
Posso prometer aos membros da AIR meu destemor na defesa deste sagrado preceito.
Instituto Palavra Aberta – Há hoje em todo o mundo uma discussão sobre a responsabilização das plataformas digitais, bem como a remuneração ao jornalismo por parte dessas empresas. Qual é o melhor modelo?
Paulo Tonet Camargo – Vários países já se debruçaram sobre este tema e alguns até legislaram com muito êxito. Talvez o melhor paradigma seja o da Austrália, que induz a acordos entre as plataformas e os produtores de conteúdos jornalísticos. Para se ter uma ideia, não houve sequer necessidade de acionar qualquer dispositivo de arbitramento porque sempre se chegou a bom termo.
Quanto à responsabilidade, me parece um conceito mais obvio. Não há qualquer atividade empresarial que lucre sobre uma atividade econômica sem responsabilidade sobre produto ou serviço que oferece ao consumidor. Neste caso não é diferente. As plataformas oferecem serviços de distribuição de conteúdo de informação e entretenimento. Para sustentar o modelo, vendem espaços ao mercado anunciante. Idêntico ao que fazemos. É razoável que tenham responsabilidade sobre os conteúdos distribuídos com os quais ganham dinheiro. E não se invoque a falsa premissa de que isto iria ferir a liberdade de expressão porque liberdade e responsabilidade são faces de uma mesma moeda. Assim moldou a nossa Constituição, seguindo o que concebeu qualquer nação civilizada.
Nós, radiodifusores, somos responsáveis pelos conteúdos de entretenimento e informação que distribuímos. Diminuir esta distância regulatória é uma tarefa sobre a qual devemos nos debruçar.
Instituto Palavra Aberta – O assédio judicial, infelizmente bastante recorrente no Brasil, é um problema nas Américas? Qual seria o melhor papel do Judiciário diante de casos referentes às liberdades de expressão e de imprensa?
Paulo Tonet Camargo – No Brasil, apesar de decisões em instâncias inferiores, as decisões finais têm sido no mesmo sentido já decidido por nossa Suprema Corte, que plasmou o sagrado direito à liberdade de expressão. Porém, a livre manifestação de opinião e circulação de informações e de criação artística têm sido cada vez mais atacadas por decisões judiciais em vários países da América, o que viola um dos mais básicos princípios do moderno Estado democrático de direito. Além de ser um direito de quem manifesta, a livre circulação de opiniões e informação é um direito da sociedade.