Porto Alegre, sexta, 18 de outubro de 2024
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'Droga pesada': Especialistas debatem dependência das bets no Tá na Mesa. Além do vício, as apostas também geram efeitos econômicos negativos, explicam palestrantes

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Vilson Noer, Carlos Salgado, Rodrigo Sousa Costa e Oscar Frank. Foto: Sérgio González.

 

A crescente preocupação com o impacto das apostas online na sociedade brasileira foi o tema central da reunião-almoço Tá na Mesa desta quarta-feira (16), promovida pela FEDERASUL no Palácio do Comércio, em Porto Alegre. O evento contou com as palestras do especialista em dependência química e diretor do Villa Janus, doutor em psiquiatria Carlos Salgado, do presidente da Federação Gaúcha do Varejo, Vilson Noer, e do economista-chefe da CDL-POA, Oscar Frank.

O presidente da FEDERASUL abriu o encontro ressaltando a importância de proteger a renda das famílias e a qualidade de vida da população. “O vício em jogos tem sido um problema crescente no Brasil, e acreditamos que é fundamental impor limites para que essa questão não se torne um problema de saúde pública”, afirmou. Ele destacou que a liberdade de empreender não pode ser alcançada às custas da dependência de jovens e chefes de família, reforçando a necessidade de regulamentação eficaz do setor de apostas.

Impacto econômico

Oscar Frank apresentou dados que revelam os efeitos financeiros das apostas online no Brasil. Segundo o economista, nos últimos 12 meses, R$ 45 bilhões foram movimentados em apostas no país, com um impacto líquido de R$ 25,7 bilhões após os ganhos serem retirados. “São valores que poderiam ser direcionados para outros setores da economia e estão sendo canalizados nas bets”, destacou.

Frank também alertou sobre o aumento expressivo nas transações via Pix para sites de apostas, que cresceram 200% somente em 2024. Ele ressaltou a importância da regulamentação, não apenas para a economia, mas também para a saúde pública. “Precisamos de vigilância junto ao poder público para mitigar os efeitos negativos das apostas’”, frisou, mencionando que 63% dos apostadores afirmam ter comprometido parte de seu orçamento com jogos, segundo dados da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo. Além disso, o economista explicou que 48% dos apostadores afirmaram que reforçariam suas poupanças se deixassem de apostar.

R$ 700 bilhões

O presidente da Federação Gaúcha do Varejo, Vilson Noer, elogiou a iniciativa da FEDERASUL em abordar o tema, que classificou como “grave e importante”. Noer citou o livro “Dependências Comportamentais”, da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (ABEAD), e alertou sobre a projeção de que o mercado de apostas pode movimentar R$ 700 bilhões até 2028, gerando graves desorganizações familiares e problemas econômicos. “A epidemia das apostas se instalou de maneira exponencial em 2024”, afirmou.

Noer também expressou sua preocupação com o incentivo às apostas em campanhas publicitárias protagonizadas por celebridades e influenciadores digitais. Segundo ele, os valores movimentados por essas empresas de bets, majoritariamente estrangeiras, não gerando empregos no país. A regulamentação, explica Noer, deve ser semelhante à do álcool e tabaco, que geram emprego e renda, mas não somente. “Tudo é muito legal, como a regulamentação, mas é inócuo se não haver fiscalização”, ressaltou o líder varejista.

“Droga pesada”

O psiquiatra Carlos Salgado comparou o vício em apostas com outras dependências, como o alcoolismo e o uso de drogas, explicando que ambos os vícios compartilham mecanismos psicológicos semelhantes. “Como ocorre com drogas de ação intensa e curta duração, pessoas suscetíveis experimentam, descobrem uma gratificação ou prazer peculiar e repetem”, esclareceu.

Salgado enfatizou que o vício em apostas se torna uma prioridade na vida do indivíduo, causando sérios danos à sua vida pessoal e financeira: “Bet é droga pesada”. “Prevenir, prevenir, prevenir e, em última análise, infelizmente, tratar”, ressaltou. O psiquiatra lembrou do papel das “instituições que preservam a organização social”, como os empresários, para “confrontar e frear essa realidade”.