Com uma história profundamente ligada à cultura gaúcha, associada à pecuária extensiva e aos tropeiros, o modo de fazer queijo artesanal serrano é o terceiro saber reconhecido como patrimônio imaterial do Estado. A produção do queijo artesanal serrano teve início há mais de dois séculos, junto com o estabelecimento das primeiras fazendas na região dos Campos de Cima da Serra. A produção do queijo serrano surgiu concomitantemente à atividade pecuária de corte extensiva na região, empreendida por colonos portugueses.
Apesar das transformações tecnológicas do bem cultural, a rede de significados que o envolve permanece vinculada aos tropeiros e produtores de outrora. Isso porque os produtores atuais se apropriam culturalmente do modo de fazer de maneira a remeter suas técnicas produtivas e comerciais a essas figuras históricas.
O Queijo Artesanal Serrano é um produto de grande importância econômica e ambiental para a região dos Campos de Cima da Serra. Em muitos casos, a produção é a principal renda de pecuaristas familiares, que dependem dessa atividade para a manutenção de suas famílias. Além disso, as peculiaridades de sabor e textura do queijo serrano se devem à técnica de produção artesanal aplicada sobre matérias-primas locais (gado de corte e pastagem) adaptadas ao clima da região, fazendo a produção ser vinculada à preservação da paisagem e seus recursos como forma de manutenção das especificidades do queijo atreladas aos seus insumos.
O trabalho de inventariação do mais novo bem imaterial dos gaúchos foi realizado por representantes da Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ascar-Emater/RS) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com a assessoria técnica do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae), instituição da Secretaria de Estado da Cultura (Sedac). A inscrição no Livro de Registro dos Saberes foi oficializada na tarde desta quarta-feira (30/10), em solenidade no Teatro Oficina Olga Reverbel do Complexo Multipalco do Theatro São Pedro, com a presença da Secretária de Estado da Cultura, Beatriz Araujo. Em seu pronunciamento, ela lembrou do trabalho de reconhecimento e cuidado com o patrimônio material e imaterial que vem sendo realizado pelo governo gaúcho. Ao lembrar que os dois primeiros registros de patrimônio imaterial foram realizados em 2023, Bia afirmou que “esse momento foi construído a muitas mãos, durante muitos anos. É um início e agora é preciso preservar esse saber para que ele continue sendo especial e um diferencial para toda a região”. Conforme parecer técnico nº 007/2024, emitido pelo Iphae, a essência e os métodos tradicionais foram preservados, mesmo com as inovações tecnológicas, como a prensa hidráulica e o coalho industrial. A íntegra do documento, aprovado pela Câmara Temática do Patrimônio Cultural Imaterial em 6 de setembro, está disponível no link.
Segundo o representante dos produtores do Queijo Artesanal Serrano, Alexander de Liz, a produção esteve perto de ser extinta. “De um produto que vivia à margem da legalidade, virou celebridade no Brasil, passou a ser uma importante moeda de troca e se manteve a arte de produzir o Queijo Artesanal Serrano. Isso se deve ao trabalho de várias gerações”, afirmou de Liz. O produtor também agradeceu a Emater pelo trabalho de reconhecimento do valor imaterial registrado na tarde de hoje.
Pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a professora Saionara Wagner falou em nome dos inventariantes e destacou o trabalho dos produtores, lembrando que o produto é o único no Brasil a ter denominação de origem e indicação geográfica. O diretor de Memória é Patrimônio da Sedac, Eduardo Hahn, destacou a importância econômica e cultural do produto para a região. “Estamos reconhecendo um conjunto de saberes e técnicas que atravessam gerações, produzindo alimento para o corpo e para a alma”, destacou.
Representando a Assembleia Legislativa na solenidade desta tarde, o deputado Carlos Búrigo lembrou o trabalho de pesquisa desenvolvido nos últimos 20 anos para consolidar o Queijo Artesanal Serrano. Ele afirmou que “esse é um alimento tradicional e único da região e o reconhecimento é resultado da perseverança, da credibilidade e da articulação que os produtores empreenderam”, afirmou.
O primeiro bem imaterial reconhecido oficialmente foi o Sistema Cultural e Socioambiental da Erva-Mate Tradicional, registrado em junho de 2023 e o modo de fazer artesanato com a palha de butiá, listado em agosto de 2023, foi o segundo inscrito no Livro dos Saberes. A partir do registro, serão desenvolvidas medidas de salvaguarda junto às comunidades. A proteção do bem imaterial se dá nos eixos mobilização social e alcance da política; gestão participativa no processo de salvaguarda; difusão e valorização; produção e reprodução cultural.