Porto Alegre, terça, 26 de novembro de 2024
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Quatro milhões a mais de cadeiras vazias, por Cezar Miola e Alessandra Gotti*/ O Estado de São Paulo

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Foto: Raphaela Auad / SMED PMPA

Dois dos efeitos mais graves na área da educação causados pela pandemia, o abandono e a evasão, retiraram 4 milhões de alunos dos bancos escolares nos últimos dez meses. É o que diz a pesquisa do Instituto Datafolha, encomendada pelo C6 Bank. Pelo menos 8,4% das pessoas com idade entre seis e 34 anos matriculadas antes da crise sanitária informaram que abandonaram a escola. O pior resultado foi registrado entre os estudantes do ensino superior, com um abandono de 16,3%, seguido daqueles que estavam no ensino médio, de 10,8%.

Esses números deletérios da educação brasileira se refletirão diretamente na economia do país e mostrarão que os prejuízos não são apenas individuais, mas de toda a sociedade, impactando, para ilustrar, nos índices de violência, na precarização e produtividade do trabalho e no desemprego.

Uma tragédia normalmente não é causada por um elemento isolado. Fruto da histórica falta de prioridade dada à educação em nosso país, pelo menos 1,5 milhão de crianças e jovens de 4 a 17 anos já estavam fora das escolas segundo o IBGE. Após a pandemia da covid-19, tais dados tendem a se mostrar ainda mais alarmantes. Ausência de computadores e de acesso à internet, falta de formação de professores para o ensino remoto e insegurança física e emocional no retorno presencial às salas de aula, são alguns dos motivos que levam muitos estudantes a perderem o vínculo com as escolas. O fator econômico também impôs aos jovens abandonar os estudos e buscar precocemente o mercado de trabalho para garantir o próprio sustento e o das suas famílias.

Situações assim exigem uma atuação proativa, ágil e cooperativa do poder público e da sociedade civil. Com esse intuito, os Tribunais de Contas brasileiros, associados a outros importantes atores ligados à educação, têm promovido ações indutoras para o enfrentamento do abandono e da evasão escolar, assim como para a superação dos demais desafios trazidos pela pandemia do novo coronavírus na política educacional brasileira.

Por um lado, num contexto onde ainda não se pode contar com o sistema nacional de educação formalmente organizado, e de antigas carências nas redes públicas, os TCs, a par da fiscalização, intensificaram sua função orientadora. E, com ela, não apenas acompanham as ações mas atuam cautelarmente em temas como oferta de alimentação escolar e ensino remoto, proteção de dados pessoais, medidas sanitárias, transparência dos gastos e capacitações.

De outro, para criar uma agenda comum e unir esforços em prol da educação, a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil, o Instituto Rui Barbosa e o Instituto Articule estão estimulando a formação de instâncias de pactuação inéditas em todo país. Idealizado pelo Instituto Articule e fruto da cooperação com os órgãos de controle, os Gabinetes de Articulação para Enfrentamento dos Efeitos da Pandemia na Educação (GAEPEs) reúnem, em um ambiente horizontal de diálogo, as secretarias e os conselhos de educação, o Tribunal de Contas, o Poder Judiciário, os Ministérios Públicos Estadual e de Contas, a Defensoria Pública, o Poder Legislativo e a sociedade civil. O objetivo é apoiar o gestor no enfrentamento dos desafios provocados pela covid-19 e fortalecer o regime de colaboração. Esses gabinetes têm contribuído decisivamente para aumentar o ambiente de segurança jurídica na tomada de decisões já existem nos Estados de Rondônia, Goiás e Mato Grosso do Sul. Nos próximos meses deve ser instalado um gabinete de âmbito nacional com o mesmo propósito.

Além disso, os Tribunais de Contas brasileiros mantêm uma parceria com o Unicef e o Conselho Nacional do Ministério Público para capacitar gestores e servidores públicos a realizarem a busca ativa de crianças e jovens que estão fora da escola. As iniciativas podem parecer singelas frente ao desafio, mas carregam o valor simbólico da articulação entre Poderes, órgãos e agentes da sociedade em torno do futuro do país a partir da compreensão de que cada criança, jovem ou adulto que volta para os bancos escolares representa um Brasil menos desigual e com mais oportunidade a todos.

*Cezar Miola, conselheiro do TCE-RS e presidente do Comitê Técnico da Educação do Instituto Rui Barbosa (CTE-IRB); Alessandra Gotti, fundadora e presidente executiva do Instituto Articule e Doutora em Direito Constitucional pela PUC-SP