Porto Alegre, quinta, 17 de outubro de 2024
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CPI da Pandemia: Lewandowski nega possibilidade da Secretária do Ministério da Saúde se manter calada durante depoimento

Detalhes Notícia
Secretária do Ministério da Saúde, Mayra Isabel Correia Pinheiro. Foto: AMB

 

 

O Ministro Ricardo Lewandowski negou o direito da Secretária do Ministério da Saúde, Mayra Isabel Correia Pinheiro – apelidada de “Capitã Cloroquina”, em função da defesa que faz da utilização da medicação de forma prévia -,  permanecer em silêncio durante a CPI da pandemia nesta quinta-feira. Segundo o ministro do Supremo em sua decisão: “Concluo, portanto, que o atendimento à convocação para depor perante a Comissão Parlamentar de Inquérito recebida, nos termos constitucionalmente estabelecidos, consubstancia uma obrigação da paciente, especialmente na qualidade de servidora pública que é, devendo permanecer à disposição dos senadores que a integram do início até o encerramento os trabalhos, não lhe sendo permitido encerrar seu depoimento, de forma unilateral, antes de ser devidamente dispensada.

 

LEIA ABAIXO A ÍNTEGRA DA DECISÃO:

 

 

 

MEDIDA CAUTELAR NO HABEAS CORPUS 201.970 DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
PACTE.(S) :MAYRA ISABEL CORREIA PINHEIRO
IMPTE.(S) :RAFAELA PINHEIRO BARBOSA PINTO
COATOR(A/S)(ES) :COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DO
SENADO FEDERAL – CPI DA PANDEMIA
Trata-se de habeas corpus preventivo com pedido de liminar
impetrado por Mayra Isabel Correia Pinheiro, em nome próprio, no qual
alega o temor de sofrer constrangimento ilegal no âmbito da Comissão
Parlamentar de Inquérito sobre a Pandemia da Covid-19, presidida pelo
Senador Omar Aziz, perante a qual foi convocada para prestar
depoimento no próximo dia 20 de maio.
A paciente assenta, inicialmente, que a
“[r]eferida Comissão vem impedindo o exercício da
prerrogativa constitucional contra a autoincriminação,
constrangendo de forma inaceitável pessoas inocentes, que
sequer estão indiciadas, denunciadas ou condenadas. A prova
eloquente disso reside neste fato público e notório.
Com efeito, no dia 12/05/2021, o ilustre Senador Renan
Calheiros, na condição de Relator dessa CPI, solicitou a prisão
do Sr. Fábio Wajngarten, ex-secretário especial de Comunicação
Social da Presidência da República, convocado para depor,
também na condição de testemunha, sob o argumento de que
suas informações, prestadas na ocasião, divergiam daquelas
dadas, em momento anterior, sobre o mesmo assunto, à Revista
Veja.
Achava-se a aludida testemunha, por ocasião do seu
depoimento nessa CPI, acompanhada do seu ilustre advogado.
Tão logo este se deparou com a ameaça de prisão do seu cliente,
solicitou a palavra ao Presidente da sessão pela ordem. O
Presidente, porém, não a concedeu. Passou palavra a outro
Senador. O vídeo, em anexo, comprova a violação do direito do
advogado, compelido a socorrer-se da imprensa para publicar
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uma nota em defesa de Wajngarten.” (doc. eletrônico 1, fls. 2-3)
Aponta, em seguida, que,
“O fato é que a CPI, ora em curso no Senado da República,
ao negar a palavra ao advogado, cujo cliente estava sob acintosa
ameaça de prisão, violou as prerrogativas que são asseguradas
aos profissionais da advocacia pela legislação vigente. Esse
abominável atentado à atuação do advogado é, sob todos os
ângulos, inaceitável porque a própria Constituição, no seu art.
133, o reconhece como ‘indispensável à administração da
justiça’.
Nenhuma autoridade, por isso, pode suprimir-lhe o
direito de defender seus clientes, sob pena de colocá-lo no papel
de mero expectador de abusos inaceitáveis. Essa situação é de
todo incompatível com o Estado Democrático de Direito.
Insista-se, as garantias constitucionais foram suprimidas, sendo
o patrono da testemunha, que prestava depoimento, impedido
de se insurgir contra os excessos cometidos em detrimento da
dignidade do seu cliente.” (doc. eletrônico 1, fl. 4, sem os grifos
do original)
Destaca, ainda, que
“[e]xerce a função de SECRETÁRIA DA SECRETARIA
DE GESTÃO DO TRABALHO E DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE,
no Ministério da Saúde, sendo essa a razão determinante de sua
convocação. Tem ela, porém, atuado, permanentemente, com
integral respeito aos princípios constitucionais da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Todos os
seus atos encontram-se respaldados por documentos
produzidos pelo Ministério da Saúde e por documentos e
publicações científicas, produzidas por pesquisadores de
renome nacional e internacional sobre abordagem
farmacológica da doença decorrente do Coronavírus.
É imperioso ressaltar que a Impetrante da presente ordem
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considera a Comissão Parlamentar de Inquérito o local propício
para esclarecimento à população sobre as distorções veiculadas
com o propósito de desacreditar medicações que poderiam ter
significativo papel na redução das mortes. O mais grave,
porém, será esclarecido com riqueza de detalhes: tais distorções
decorreram de ações com previsão no próprio Código Penal.
[…]
Esse temor se mostra justificado, em decorrência da
crescente agressividade com que têm sido tratados os
depoentes que ali comparecem para serem ouvidos. A falta de
urbanidade no tratamento dispensado às testemunhas,
proibindo-as, inclusive, do exercício da prerrogativa contra a
auto-incriminação, consagrada no art. 5º, LXIII da Constituição,
bem como a violação ao direito de não serem tratadas, pelas
autoridades públicas, como se culpadas fossem, e a recusa em
assegurar à palavra ao advogado para defesa do seu cliente,
comprovam que as garantias constitucionais foram
indevidamente abolidas daquele Inquérito Parlamentar. Essas
violações chegaram ao ápice, é forçoso reiterar, com a recusa em
assegurar a palavra ao advogado para exercer a defesa de seu
cliente.” (doc. eletrônico 1, fls. 4-5, grifos no original).
Conclui, pleiteando uma tutela de urgência, seguintes termos:
“Isto posto, presentes na espécie o fumus boni juris e o
periculum in mora, ante a real perspectiva de ser a
impetrante/paciente, no próximo dia 20/05/2021, submetida a
constrangimento como se tivesse já sido julgada e condenada
com o silenciamento dos seus defensores, requer seja deferido,
liminarmente, ordem de habeas corpus preventivo,
determinando ao Presidente e ao Relator da referida CPI para
que sejam reconhecidas, em favor da ora paciente, as seguintes
prerrogativas: 1) ser assistida por advogados e com estes,
comunicar-se; 2) ser assegurado aos seus advogados o direito
de realizar sua defesa, nos termos do art. 7º, III, X, XI, XII e XIII,
do Estatuto da Advocacia e OAB, sendo-lhes garantida a
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palavra pelo Presidente da CPI para, inclusive, suscitar questão
de ordem, objetivando preservar a efetiva vigência do
Regimento do Senado e das leis nele reportadas que devem ser
integralmente respeitadas pela CPI, inclusive, para evitar
futuras arguições de nulidade; 3) não se auto-incriminar e 4) a
plena observância do art. 360, IV do CPC.” (doc. eletrônico 1,
fls. 11, sem os grifos do original)
No mérito, pugna pela concessão definitiva da ordem, com a
confirmação da medida liminar pleiteada.
É o relatório necessário. Decido o pedido cautelar.
Preliminarmente, relembro que o habeas corpus, a teor do art. 5º,
LXVIII, da Constituição Federal, é concedido “sempre que alguém sofrer
ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de
locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”. Sendo assim, tratando-se
de writ preventivo, é possível a concessão de uma cautelar para proteger,
de forma ampla, o direito de ir e vir de uma pessoa quando ficar
demonstrado, com base em elementos concretos e já documentados, a
presença de justo receio de que esta se encontra na iminência sofrer abuso
de poder ou ilegalidade.
No caso sob exame, a paciente pretende evitar um suposto
constrangimento ilegal por ocasião de seu depoimento, designado para o
próximo dia 20 de maio, perante a Comissão Parlamentar de Inquérito
sobre a Pandemia da Covid-19, cujo objeto ficou definido da seguinte
forma:
“Apurar, no prazo de 90 dias, as ações e omissões do
Governo Federal no enfrentamento da Pandemia da Covid-19
no Brasil e, em especial, no agravamento da crise sanitária no
Amazonas com a ausência de oxigênio para os pacientes
internados; e as possíveis irregularidades em contratos, fraudes
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em licitações, superfaturamentos, desvio de recursos públicos,
assinatura de contratos com empresas de fachada para
prestação de serviços genéricos ou fictícios, entre outros ilícitos,
se valendo para isso de recursos originados da União Federal,
bem como outras ações ou omissões cometidas por
administradores públicos federais, estaduais e municipais, no
trato com a coisa pública, durante a vigência da calamidade
originada pela Pandemia do Coronavírus ‘SARS-CoV-2’,
limitado apenas quanto à fiscalização dos recursos da União
repassados aos demais entes federados para as ações de
prevenção e combate à Pandemia da Covid-19, e excluindo as
matérias de competência constitucional atribuídas aos Estados,
Distrito Federal e Municípios” (Requerimentos SF/21139.59425-
24 e SF/21259.95668-45).
Como é notório, o País enfrenta uma calamidade pública sem
precedentes, decorrente da pandemia causada pelo novo coronavírus,
tendo alcançado, na data de hoje, a lamentável marca de 436 mil mortos.
Diante disso, como já afirmei alhures, afigura-se legítima a instalação de
uma CPI para apurar eventuais responsabilidades de autoridades
públicas e, até mesmo, de particulares, por ações ou omissões no
enfrentamento dessa preocupante crise sanitária, aparentemente ainda
longe de terminar.
Sublinho que a amplíssima prerrogativa de investigação conferida às
comissões parlamentares de inquérito – própria das autoridades judiciais
– é de indiscutível relevância para a fiscalização e o controle da
Administração Pública. Sabe-se, contudo, que tais poderes não são
absolutos, conforme tem afirmado esta Suprema Corte, encontrando
limites no rol de direitos e garantias fundamentais abrigado na própria
Constituição Federal.
Dentre essas franquias constitucionais encontram-se, precisamente, o
direito de não ser preso senão em flagrante delito ou por ordem
fundamentada de autoridade judicial competente, o direito de
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permanecer calado, como corolário da garantia contra a
autoincriminação, bem assim o direito de ser assistido por advogado,
conforme consta do art. 5o
, LXI e LXIII, da Constituição Federal.
Como se vê, são direitos de envergadura constitucional, incluídos,
atualmente, não apenas em tratados e convenções internacionais, como
também no ordenamento jurídico das nações civilizadas, mas que, por
isso mesmo, não podem ser banalizados.
No que respeita à situação concreta da paciente, embora ela exerça
funções de destaque na Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação
em Saúde, não vejo, ao menos neste exame prefacial, a presença de fatos
concretos e devidamente documentados que emprestem verossimilhança
às alegações veiculadas na inicial do presente writ.
A jurisprudência desta Corte, neste ponto, é pacífica no sentido de
que o habeas corpus, para ser admitido e deferido, precisa estar instruído
com prova pré-constituída, não se admitindo dilação probatória nesta
estreita via processual. Confira-se:
“Agravo regimental no habeas corpus. 2. No habeas
corpus, é vedada a dilação probatória, devendo o impetrante
instruí-lo com provas pré-constituídas, nas quais fundamenta
seu pedido. Possibilidade de reexame, que não se confunde
com dilação probatória. 3. Concessão da ordem de ofício diante
de manifesta e ululante ilegalidade. Possibilidade. 4. Agravo
regimental não provido” (HC 174.977-AgR/SP, relator Ministro
Gilmar Mendes, grifei).
“PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS.
SIMILITUDE FÁTICA E JURÍDICA. RECURSO ESPECIAL.
AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DAS ALEGAÇÕES.
DECISÃO MONOCRÁTICA DE MÉRITO. APLICAÇÃO DO
ART. 38 DA LEI 8.038/90. ORDEM DENEGADA. I – A via do
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habeas corpus pressupõe prova pré-constituída, cuja ausência
impede a apreciação do mérito. II – Ordem denegada.” (HC
89.609/SP, de minha relatoria, grifei)
“EMENTA AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO
ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO
PENAL. TRIBUNAL DO JÚRI. NULIDADE PROCESSUAL.
PREJUÍZO. DEMONSTRAÇÃO. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA.
NECESSIDADE. PRECLUSÃO.
1. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal que
exige a demonstração de efetivo prejuízo para a decretação de
nulidade processual, seja ela absoluta ou relativa (HC
107.769/PR, Rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, DJe 28.11.2011).
2. Os registros constantes da ata de julgamento da sessão
do Tribunal do Júri e o contexto probatório dos autos, tal como
tidos por comprovados os fatos pelas instâncias ordinárias,
apontam para a inexistência de prejuízo à defesa.
3. Não estando a matéria controvertida alicerçada em
prova pré-constituída, inviável o conhecimento da tese na
estreita via processual do habeas corpus. Precedente: HC
137.315, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2ª Turma, DJe-028 de
13.2.2017.
4. As nulidades ocorridas na sessão do tribunal do Júri
devem ser arguidas logo depois que ocorrerem, nos termos do
artigo 571, inciso VIII, do CPP. Não havendo registro em ata da
objeção da defesa quanto aos quesitos formulados, opera-se a
preclusão da matéria (HC 96.469/RJ, Rel. Min. Ayres Britto,
Primeira Turma, DJe 13.8.2009). 5. Agravo regimental conhecido
e não provido” (RHC 128.305-AgR/RS, relatora Ministra Rosa
Weber, grifei).
A paciente não demonstrou, de forma concreta e documentada,
como lhe competia, que corre algum risco de se autoincriminar ou de ser
presa em razão de falso testemunho por ocasião de seu depoimento
perante a CPI da Covid -19. Tampouco consta que ela esteja respondendo
a qualquer sindicância, inquérito ou processo, seja no âmbito
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administrativo, seja na seara criminal. Nada há nos autos que leve à
conclusão de que se deva deferir à paciente o direito de permanecer
calada durante seu depoimento, mesmo porque essa proteção
constitucional é reservada àqueles que são interrogados na condição de
investigados, acusados ou réus por alguma autoridade estatal.
Aliás, muito pelo contrário: ela própria assevera que tem “atuado,
permanentemente, com integral respeito aos princípios constitucionais da
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. E
acrescenta, mais, que “[t]odos os seus atos encontram-se respaldados por
documentos produzidos pelo Ministério da Saúde e por documentos e
publicações científicas, produzidas por pesquisadores de renome
nacional e internacional sobre abordagem farmacológica da doença
decorrente do Coronavírus”.
Convém ressaltar, para que não pairem dúvidas, que aqui não há
nenhuma similitude fática ou jurídica com o que decidi, em sede cautelar,
nos autos do HC 201.912/DF, impetrado em favor do ex-Ministro da
Saúde Eduardo Pazuello. Conforme sublinhei, então, o justo receio, apto a
configurar a necessidade da concessão da ordem residia na instauração
do Inquérito 4.862/DF no STF, a pedido do Procurador-Geral da
República, posteriormente encaminhado ao primeiro grau de jurisdição,
circunstância de caráter pessoal que não se comunica à situação
concreta da paciente.
Assim, o fato de a paciente não responder a qualquer
procedimento criminal, ou mesmo administrativo, quanto aos assuntos
investigados pela CPI, retira qualquer credibilidade ao receio por ela
manifestado de que possa sofrer consequências adversas ao responder a
determinadas perguntas dos parlamentares. Por isso, na condição de
testemunha, ela estará obrigada a revelar tudo o que souber ou tiver
ciência acerca dos fatos investigados pela Comissão Parlamentar de
Inquérito sobre a Covid-19, podendo ser compelida a assumir o
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compromisso de dizer a verdade.
Em outras palavras, a sua presença na indigitada CPI, como
testemunha, ao menos por ora, não tem o potencial de repercutir, de
forma negativa, em sua esfera jurídica, ou mesmo de lhe causar possível
dano injusto. Ao contrário, entendo que a paciente tem o dever de
pronunciar-se amplamente sobre a sua atuação na supracitada Secretaria,
observado, por evidente, o direito que lhe assiste à não autoincriminação,
o que, de há muito, já vem sendo consagrado pela jurisprudência desta
Suprema Corte. Veja-se:
“PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS.
FALSO TESTEMUNHO. INOCORRÊNCIA. LEI 1.579/52, ART.
4º, II (CP, ART. 342). COMISSÃO PARLAMENTAR DE
INQUÉRITO. TESTEMUNHA. PRISÃO EM FLAGRANTE.
CPP, ART. 307.
I. – Não configura o crime de falso testemunho, quando a
pessoa, depondo como testemunha, ainda que
compromissada, deixa de revelar fatos que possam incriminála.
II. – Nulidade do auto de prisão em flagrante lavrado por
determinação do Presidente da Comissão Parlamentar de
Inquérito, dado que não se consignou qual a declaração falsa
feita pelo depoente e a razão pela qual assim a considerou a
Comissão.
III. – Auto de prisão em flagrante lavrado por quem não
preenche a condições de autoridade (art. 307 do CPP). IV. – H.C.
deferido” (HC 73.035/DF, relator Ministro Carlos Velloso,
grifei).
Também improcede o pleito da paciente de obrigar a Presidência da
Comissão a conceder ao seu advogado o direito de suscitar “questões de
ordem”. Muito embora seja inequívoco o seu direito, como acima
aludido, de ser acompanhada por um advogado, este não poderá intervir
nos trabalhos parlamentares, sujeitos que estão à disciplina prevista no
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Regimento Interno do Senado Federal, cuja interpretação e aplicação
refoge à competência das autoridades judiciárias.
Quanto ao direito à não autoincriminação e à presença de advogado,
recordo, por oportuno, que o próprio Relator da CPI, Senador Renan
Calheiros, juntou informações aos autos do HC 201.912/DF, impetrado em
favor do ex-Ministro da Saúde Eduardo Pazuello, nas quais afirmou, em
síntese, o quanto segue:
“Nesse cenário, informamos que a convocação do
impetrando/paciente foi feita na qualidade de testemunha e a
relatoria da CPIPANDEMIA tem pleno conhecimento de que,
em respeito à garantia constitucional de que toda a pessoa tem
de não se autoincriminar (nemo tenetur se detegere), ou seja, de
não produzir prova contra si mesmo, não poderá compelir o Sr.
Eduardo Pazuello a responder qualquer pergunta que possa
representar confissão de eventuais crimes que possa ter
cometido. Portanto o direito ao silêncio, assegurado pela nossa
carta política (art. 5º, LXIII) e pela Convenção Americana sobre
Direitos Humanos (art. 8, n.2, ‘g’) será devidamente observado.
Da mesma forma, não há dúvida de que a presença de
advogado da testemunha será assegurada. Nos trabalhos
realizados pelas comissões parlamentares de inquérito junto ao
Senado Federal, em situações assemelhadas a do
impetrando/paciente, sempre franqueada a entrada de
defensor” (HC 201.912/DF, doc. eletrônico 13, fl. 3, grifei).
Concluo, portanto, que o atendimento à convocação para depor
perante a Comissão Parlamentar de Inquérito recebida, nos termos
constitucionalmente estabelecidos, consubstancia uma obrigação da
paciente, especialmente na qualidade de servidora pública que é,
devendo permanecer à disposição dos senadores que a integram do início
até o encerramento os trabalhos, não lhe sendo permitido encerrar seu
depoimento, de forma unilateral, antes de ser devidamente dispensada.
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Em face do exposto, indefiro a liminar, ficando ressalvado – até
porque não há nada a indicar o contrário – o direito de a paciente fazerse acompanhar por advogado e o de ser inquirida com urbanidade e
respeito, ao qual, como já assentei, faz jus qualquer testemunha.
Requisitem-se informações.
Publique-se.
Brasília, 18 de maio de 2021.
Ministro Ricardo Lewandowski