A juíza Jacqueline da Silva Frozza, da 2ª Vara Civel Da Comarca de cruz Alta, indeferiu pedido de liminar feito pelas Lojas Quero-Quero S.A. e Verde – Administradora de Cartões de Crédito S.A. que pedia a abertura e funcionamento de loja física da empresa contra à ordem da prefeitura de Cruz Alta, que determinou o fechamento por conta das medidas adotadas para combater o Coronavírus. O argumento é de que houve arbitrariedade nos atos municipais que ordenaram o fechamento sumário de suas lojas, tendo em vista que prestam serviços que atendem necessidades inadiáveis da comunidade de Cruz Alta. Os advogados lembram que os consumidores dos estabelecimentos comerciais de sua rede, na grande maioria, apresentam perfil de baixa renda e que, por isso, dependem da utilização do crédito concedido pela Verde, cujo pagamento das faturas, por costume e, muitas vezes, por falta de outros meios, se dá nas dependências das Lojas Quero-Quero. Mencionaram que a quitação de dívidas vencidas há mais de 15 dias não pode ser realizada na rede bancária, de modo que necessário estar com suas lojas em funcionamento, a fim de possibilitar que o consumidor inadimplente quite seu débito e obtenha a liberação de seu crédito.
Para a juíza, as atividades da impetrante, não estão entre aquelas citadas como essenciais, conforme trata o decreto municipal. Na decisão da julgadora, a saúde pública e o bem-estar social devem prevalecer aos interesses econômicos privados. Na sentença escreve a juiza, “Da análise dos atos normativos editados, depreende-se que o intuito dos gestores públicos foi possibilitar que permaneçam operando as instituições financeiras cujas atividades fim sejam atreladas aos serviços de pagamento, de crédito, saque e aporte, o que não parece ser o caso da Verde Administradora de Cartões de Crédito SA, que se limita a gerenciar crédito aos seus clientes, atividade essa que não é essencial à coletividade, quiçá ao seu grupo de clientes.”
Na decisão Jacqueline da Silva Frozza, considera existir a possibilidade de pagamentos pela internet e cita, “… há possibilidade de pagamento das faturas por parte dos clientes nas redes bancárias, estas sim autorizadas a funcionar, não sendo a falta de instrução ou o perfil de baixa renda argumentos suficientes para que os consumidores não se adaptem a tal realidade, dado o cenário de pandemia instaurado no país, devendo ser restrita, ao máximo, a circulação de pessoas.
É exatamente nessa linha que anda o Decreto Municipal, o qual repito, abre a possibilidade de funcionamento dos bancos e instituições financeiras, assim consideradas agências, postos bancários e agências lotéricas, hipóteses nas quais as impetrantes não se amoldam. E nem se diga que os inadimplentes, transcorridos 15 dias do vencimento da dívida, ficarão impossibilitados de quitar as respectivas faturas nas agências bancárias, pois caberá, se for o caso, à impetrante Loja Quero-Quero emitir novos boletos com prazos de vencimento mais estendidos, às suas expensas, tudo visando adequar-se aos novos ditames. Evidentemente, prejuízo todos suportarão nesse cenário de caos, não havendo razão para flexibilizar-se as orientações das autoridades públicas na hipótese concreta.
LEIA A ÍNTEGRA DA SENTENÇA DA JUÍZA JACQUELINE DA SILVA FROZZA
MANDADO DE SEGURANÇA Nº 5000823-93.2020.8.21.0011/RS
IMPETRANTE: VERDE – ADMINISTRADORA DE CARTOES DE CREDITO S.A.
IMPETRANTE: LOJAS QUERO-QUERO S.A.
IMPETRADO: PREFEITO – MUNICÍPIO DE CRUZ ALTA – CRUZ ALTA
IMPETRADO: SECRETÁRIO – MUNICÍPIO DE CRUZ ALTA – CRUZ ALTA
DESPACHO/DECISÃO
Vistos.
Trata-se de mandado de segurança impetrado por LOJAS QUERO-QUERO
S.A. (“QUERO-QUERO”) e VERDE ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE
CRÉDITO S.A. (“VERDE”) em face do SECRETÁRIO MUNICIPAL DE SAÚDE e do
PREFEITO MUNICIPAL DE CRUZ ALTA. Aduziram a arbitrariedade dos atos
municipais que ordenaram o fechamento sumário de suas lojas, tendo em vista que prestam
serviços que atendem necessidades inadiáveis da comunidade de Cruz Alta. Referiram que os
consumidores dos estabelecimentos comerciais de sua rede, na grande maioria, apresentam
perfil de baixa renda e que, por isso, dependem da utilização do crédito concedido pela Verde,
cujo pagamento das faturas, por costume e, muitas vezes, por falta de outros meios, se dá nas
dependências das Lojas Quero-Quero. Mencionaram que a quitação de dívidas vencidas há
mais de 15 dias não pode ser realizada na rede bancária, de modo que necessário estar com
suas lojas em funcionamento, a fim de possibilitar que o consumidor inadimplente quite seu
débito e obtenha a liberação de seu crédito. Explicaram que, além disso, os estabelecimentos
comercializam materiais de construção, reparo e conservação, os quais são insumos
necessários ao exercício das atividades essenciais. Teceram considerações acerca dos atos
normativos aplicáveis à espécie. Nesses termos, postularam, em sede liminar, que seja
determinado às autoridades impetradas que se abstenham de ordenar o fechamento das lojas
das impetrantes no Município de Cruz Alta, enquanto estas estiverem funcionando de forma
limitada, para a realização da atividade essencial de serviços de pagamento e crédito, bem
como comercialização de materiais de construção, reparo e conservação, durante o período
em que perdurar o estado de calamidade. Anexaram documentos.
Pois bem.
De plano, adianto que não prospera a pretensão liminar das impetrantes.
Com efeito, dada a situação de calamidade pública que assola o país, em razão
da crise epidemiológica e risco de propagação do Novo Coronavírus (Covid-19) foram
editados sucessivos atos normativos pelo Poder Público, a fim de limitar e regular a
circulação de pessoas, bem como a realização de atividades autorizadas a permanecerem em
funcionamento neste período de estado de emergência.
Nesse cenário, é bem de ver que inexiste uma norma única para todos os entes
federativos, de sorte que o Governo Federal emitiu orientações gerais, cabendo a cada Estado
e Município regular de forma pormenorizada as hipóteses, de acordo com a conjuntura
econômica e a realidade local.
Primeiramente, a Lei Federal n.º 13.979/2020 dispôs sobre as medidas para
enfrentamento da emergência de saúde pública, em decorrência do surto de coronavírus,
possibilitando que as autoridades adotem medidas de isolamento e quarentena, entre outras
providências extremas para conter o avanço da doença.
Na sequência, o Decreto Federal n.º 10.282/2020 regulamentou a lei federal
acima mencionada e elencou no seu artigo 3º o rol de atividades consideradas essenciais,
dispondo no inciso XX que se enquadram nessa categoria “os serviços de pagamento, de
crédito e de saque e aporte prestados pelas instituições supervisionadas pelo Banco Central
do Brasil”.
Em consonância com os diplomas normativos supracitados, o Decreto Estadual
n.º 55.128/2020, alterado pelo Decreto Estadual n.º 55.149/2020, disciplinou, no artigo 2º,
§9º, inciso XX, as atividades públicas e privadas essenciais como sendo aquelas
indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim
consideradas aquelas que, se não atendidas, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a
segurança da população, tais como, os serviços de pagamento, de crédito e de saque e de
aporte prestados pelas instituições supervisionadas pelo Banco Central do Brasil.
Finalmente, o Decreto n.º 108/2020 do Município de Cruz Alta estabeleceu no
artigo 20, inciso XVII, que se consideram serviços essenciais públicos e/ou de interesse
público os “bancos e instituições financeiras, assim consideradas agências, postos bancários
e agências lotéricas”. Nesse contexto, pretendem as impetrantes que os seus estabelecimentos
comerciais continuem em funcionamento, ainda que de forma limitada, tendo em vista ser
necessário que os consumidores possam quitar as faturas nas dependências físicas das Lojas
Quero-Quero. Aduzem que a Verde é pessoa jurídica controlada da Lojas Quero-Quero que
atua na administração de cartões de crédito, próprios ou de terceiros, promovendo, para tanto,
o cadastro, a cobrança e as demais medidas correlatas necessárias à consecução do seu objeto
social. Ademais, o cartão de crédito Quero-Quero, com bandeira VerdeCard, é emitido pela
administradora de cartões de crédito “Verde Administradora de Cartões de Crédito SA”.
Ocorre que, apesar do esforço argumentativo das impetrantes, forçoso concluir
que ambas não se enquadram no conceito de instituições supervisionadas pelo Banco Central
Brasil, pois não se tratam de bancos, instituições financeiras ou cooperativas de crédito,
embora a Verde Administradora de Cartões de Crédito SA seja integrante do Sistema de
Pagamentos Brasileiro (SPB), com autorização para operar emitida pelo Banco Central do
Brasil.
Da análise dos atos normativos editados, depreende-se que o intuito dos gestores públicos
foi possibilitar que permaneçam operando as instituições financeiras cujas atividades fim
sejam atreladas aos serviços de pagamento, de crédito, saque e aporte, o que não parece ser
o caso da Verde Administradora de Cartões de Crédito SA, que se limita a gerenciar crédito
aos seus clientes, atividade essa que não é essencial à coletividade, quiçá ao seu grupo
de clientes.
Veja-se que, como admitido pelas impetrantes, há possibilidade de pagamento das faturas por
parte dos clientes nas redes bancárias, estas sim autorizadas a funcionar, não sendo a falta
de instrução ou o perfil de baixa renda argumentos suficientes para que os consumidores não
se adaptem a tal realidade, dado o cenário de pandemia instaurado no país, devendo ser restrita,
ao máximo, a circulação de pessoas.
É exatamente nessa linha que anda o Decreto Municipal, o qual repito, abre a possibilidade de
funcionamento dos bancos e instituições financeiras, assim consideradas agências, postos bancários
e agências lotéricas, hipóteses nas quais as impetrantes não se amoldam.
E nem se diga que os inadimplentes, transcorridos 15 dias do vencimento da dívida, ficarão
impossibilitados de quitar as respectivas faturas nas agências bancárias, pois caberá, se for o caso,
à impetrante Loja Quero-Quero emitir novos boletos com prazos de vencimento mais estendidos, às suas
expensas, tudo visando adequar-se aos novos ditames.
Evidentemente, prejuízo todos suportarão nesse cenário de caos, não havendo razão para flexibilizar-se
as orientações das autoridades públicas na hipótese concreta. Afora isso, assim como mencionado na
inicial, existe a possibilidade de pagamento por meio da internet, o que não impedirá o recebimento
do crédito pelas impetrantes, bem como evitará que os consumidores tenham restrições creditícias por
conta do não pagamento de forma pontual. Como já referido, todos terão de se adaptar, inclusive aqueles
menos afeitos ao mundo virtual.
Idêntica solução aplica-se ao comércio de materiais de construção, reparo e conservação, insumos
esses que poderão ser adquiridos via internet, sem qualquer prejuízo àqueles que assim necessitem.
De qualquer modo, embora o Município de Porto Alegre possa ter editado decreto autorizando o
funcionamento de estabelecimentos que comercializem tais insumos, até o presente momento, inexiste
qualquer permissão por parte do Município de Cruz Alta, como bem se vê da leitura dos incisos do
artigo 20 do Decreto n.º 108/2020, de modo que não poderá este Juízo imiscuir em tal esfera de
competência do Poder Executivo. Cabe salientar que, diante da evolução significativa dos casos de
Covid-19, houve ação judicial movida pelo Ministério Público Federal com o fito de suspender os
dispositivos que permitiam a realização de cultos religiosos, bem como as atividades de
unidades lotéricas, tendo sido concedida ordem, em sede de mandado de segurança, ante a
necessidade de conter-se o avanço da doença.
A título comparativo, resta claro que se até mesmo o livre exercício da religião,
garantia assegurada constitucionalmente (artigo 5º, inciso VI, da Constituição Federal), foi
restringida em nome de uma ponderação de bens, na qual prevaleceu o direito à saúde e à
vida, assim como o exercício das atividades das unidades lotéricas, as quais são deveras
importantes para que as relações comerciais sejam adequadamente preservadas, por meio do
pagamento de contas, não haveria qualquer razão para permitir que as Lojas Quero-Quero
fiquem de portas abertas para percebimento dos seus créditos e realização de vendas, ainda
que de insumos importantes, especialmente, quando o avanço da tecnologia com o uso da
internet milita em favor dos clientes.
Em arremate, saliento que os órgãos técnicos de saúde e demais autoridades a
nível nacional e internacional seguem a preconizar a imperiosidade do isolamento social
como a única forma cientificamente comprovada de reduzir o ritmo de contágio pelo
COVID-19, cujos efeitos nefastos já estão revelados, bastando analisar a progressão
geométrica de infecções, também, no Estado do Rio Grande do Sul, não sendo cabível ao
Poder Judiciário descurar-se de tais regramentos que visam à proteção da segurança e à saúde
da coletividade.
Pelo exposto, INDEFIRO O PEDIDO LIMINAR, pois, à evidência, não há
direito líquido e certo a ser amparado por meio do presente remédio constitucional.
Notifique-se a autoridade coatora, para que preste as informações em 10 dias.
Após, dê-se vista ao Ministério Público.
Intimem-se.
Documento assinado eletronicamente por JACQUELINE DA SILVA FROZZA, Juíza de Direito