Porto Alegre, sexta, 20 de setembro de 2024
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Memorabilia: Gravadora Elenco, a sofisticação da simplicidade; por Márcio Pinheiro*

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A Elenco foi a primeira gravadora conceitual. Seus discos eram pensados como um todo, com uma concepção arrojada e uma ideia geral regendo todas as etapas de produção. Pioneira no mercado independente, a Elenco produziu discos que – como a bossa nova que a gravadora ajudou a divulgar – viraram história.

A Elenco era a sofisticação da simplicidade. Fundada em 1963 por Aloysio de Oliveira, a gravadora foi o ápice da carreira de um produtor que tinha quase três décadas de estúdio. Aloysio fez um empréstimo, alugou um escritório minúsculo no centro do Rio e contratou os estúdios da Rio-Som. Da formação jazzística de quem viveu nos EUA, Aloysio trouxe a noção dos arranjos acústicos, dos pequenos grupos. Do gosto pelo design, Aloysio se associou ao artista gráfico Cesar Villela e criou uma nova estética para as capas de discos: o logo do selo sempre vinha em destaque e as fotos eram em alto-contraste preto e branco ou, no máximo, em cores básicas. Era para ser econômico, tornou-se revolucionário.

Se se preocupava com a forma, Aloysio não descuidava do conteúdo. No elenco da Elenco, reuniu os grandes músicos bossa-novistas, como Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Maysa e Sergio Mendes, recuperou talentos da velha-guarda, como Cyro Monteiro, Dorival Caymmi e Aracy de Almeida, e abriu espaços para novos artistas como Nana Caymmi, Maria Bethânia, Sidney Miller, Edu Lobo e Sylvia Telles (com quem Aloysio estava casado). Como gostava de captar o peculiar, o inusitado, Aloysio também criava parcerias, algumas instantâneas e inovadoras (Vinicius de Moraes e Odette Lara, Dick Farney e Norma Bengell, Edu Lobo e Maria Bethania) e outras que dão a impressão de como demorou até que alguém se desse conta, como Vinicius e Dorival Caymmi.

Ao todo, a Elenco deixou um catálogo com 50 discos, todos de alta qualidade e muitos que ainda mantêm a atualidade. Num período de menos de cinco anos, formou um elenco que poucas vezes uma gravadora conseguiu reunir, juntando artistas tradicionais e vanguardistas e fazendo da música brasileira algo mundial.

Mas isso é bossa nova. E é muito natural.

 

*Márcio Pinheiro, jornalista, escritor e publisher do AmaJazz