Chegamos a um momento da pandemia em que, finalmente, vislumbramos luz no fim do túnel. Há esperança de um caminho que permita, pelo menos, nos aproximarmos da vida anterior ao Sars-CoV-2, ou, como dito por muitos, do “antigo normal”. Esse caminho de esperança passa necessariamente pela vacinação.
Historicamente, inúmeras doenças foram erradicadas no mundo por vacinas e outras tantas estão sob controle e já não são fatais. É o que acenam os imunizantes em uso contra a covid-19.
Ao mesmo tempo que surge essa esperança, afloram também as faces mais obscuras do ser humano e do comportamento egoísta da sociedade. Pessoas furando filas, grupos tentando comprar lotes de vacinas ainda escassas, governos sem tomada de posição firme. Parecem não lembrar que o sucesso do processo de vacinação depende efetivamente do comportamento de todos e, nesse caso, primordialmente da cooperação, para, só assim, alcançar o melhor resultado.
Podemos entender a questão e a forma de obter o maior sucesso possível com as estratégias de vacinação por meio da compreensão e aplicação das premissas próprias de um jogo cooperativo. A teoria dos jogos evidencia os resultados dos processos de interação estratégica de jogadores (no caso da pandemia, todos os envolvidos, como governos, grupos políticos, grupos sociais e indivíduos isoladamente considerados) que escolhem diferentes ações e condutas na tentativa de obter máximos retornos.
Essa teoria se tornou mais popular pelos estudos do matemático, laureado com o Prêmio Nobel, John Nash, o qual inspirou o filme Uma Mente Brilhante. Estuda, por exemplo, as decisões tomadas em situações nas quais os resultados dependem das estratégias escolhidas por todos os agentes envolvidos em determinada situação e que, embora possam ser distintas, visam objetivos em comum. Essa visão levou ao aprimoramento da teoria econômica clássica, pela qual se acreditava que o egoísmo indistintamente levaria a equilíbrios eficientes.
A teoria dos jogos teve muitas aplicações em ramos fora da matemática, como a economia, a ciência política e as estratégias das políticas públicas, como as de saúde. Claramente, é o caso da vacinação – queremos a imunização de toda a população, mas os anseios e as ações dos diferentes agentes não convergem necessária e automaticamente para a cooperação, para o bem comum ou mesmo para o alcance do melhor resultado possível para todos. Ou seja, a situação é complexa.
No jogo cooperativo, como é o caso, a competição entre os jogadores não ensejará o melhor resultado. Se cada um quiser o melhor somente para si mesmo, o resultado geral será ineficiente, uma vez que, neste momento, não há vacinas suficientes para atender a toda a demanda do mercado. Estamos todos, sem exceção, imersos na pandemia, e as soluções para ela dependem de organização e – por que não dizer? – cooperação e colaboração.
Os gestores e a população já compreenderam a necessidade de um programa de vacinação que determine prioridades enquanto a imunização não for possível para todos, e uma sistematização bem pensada dessa programação é a única forma de poder alcançar resultados eficientes.
Ilustrando, a compra de insumos por um agente não deve disputar ou rivalizar com a compra de outro, como se vislumbra na discussão entre a possibilidade de aquisição apenas pelo Estado ou também por agentes privados, sob pena de as iniciativas se revelarem contraproducentes e mesmo irem água abaixo, no mínimo, de modo a comprometer a otimização da efetiva imunização da maior parte possível da população, especialmente daqueles que apresentam maior risco – o que é mais razoável, esclarecido e real objetivo, até mesmo para que todos, conjuntamente considerados, possam não só experimentar os maiores ganhos, como também as menores perdas.
Como se pode perceber, a cooperação é medida que se impõe até mesmo em razão de interesses individuais, e não só por questões éticas, humanitárias ou pela moral.
Não há dúvida de que a estratégia da vacinação deve, neste momento, permanecer sob o controle público, cuja obrigação de agir de acordo com o princípio da otimização dos recursos deve garantir que a imunização chegue ao maior número de cidadãos, garantindo também que sejam alcançados resultados obtidos por meio das estratégias colaborativas.
Por isso a cooperação entre a União, os Estados, os municípios e a sociedade se torna mais importante do que nunca. Sabemos que os governos são limitados não só em sua capacidade de gestão, assim como também em recursos, ou não estaríamos numa eterna crise na saúde. Mas se compreendermos e aplicarmos a teoria dos jogos, entendendo que a estratégia de imunização é um jogo cooperativo e, portanto, assim deve ser jogado para atingir os melhores resultados, é possível ter esperanças em dias melhores.
*Por Eduardo Neubarth Trindade, – Doutor em Medicina, Professor Universitário, Vice-Presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (CREMERS)
Artigo originalmente publicado em O Estado de São Paulo