Roosevelt, em sua posse em 1933, disse em seu discurso: “…antes de mais nada, deixe-me afirmar minha firme convicção de que a única coisa que temos a temer é … o próprio medo – terror sem nome, irracional e injustificado que paralisa os esforços necessários para converter recuo em avanço.” A frase foi insirada em um ensaio de Henry David Thoreau, intitulado A obrigação da desobediêcia civil (Aesthetic Papers, 1849). No texto, Thoreau argumentava que a insistência na não-resistência como práxis contra o Estado era grosseiramente ineficaz. “A única obrigação que tenho o direito de assumir é fazer, a qualquer momento, o que penso ser certo”, dizia Thoreau. Acreditava também que a lei nunca tornou o homem nem um pouco mais justo e, por meio de seu respeito por ela, até mesmo os bem dispostos são diariamente tornados agentes da injustiça. Eis a temida Suprema Corte brasileira. Dela temos medo – e não deveríamos – e eles se tornaram os mais implacáveis promotores da injustiça.
No ano de 2021, o Brasil comemorou 199 anos de sua independência nas ruas. Independência que tem a ver com a liberdade de cada cidadão, protegida pelo estado de direito numa democracia. A privação da liberdade só é possível se um flagrante ocorrer, ou se o perpetrador de um crime for considerado culpado por um tribunal de júri, em processo transitado em julgado, com direito à ampla defesa e ao contraditório. Se não for assim, o estado de direito apodrece, a democracia adoece e a liberdade morre ao anoitecer.
Lamentavelmente, comemoramos os quase 200 anos de independência ouvindo “mexeu com um, mexeu com todos” e “bateu, levou” de membros da mais alta corte judicial do país. Milhões de pessoas livres ouviram incrédulas tais impropérios, já concluindo, em conjunto, que não é apenas um ou dois os que incendeiam sem piedade as páginas da Carta Magna. Fosse apenas um deles, era crime individual. Quando todos concordam com o que um faz, trata-se de associação com fim de cometer mais crimes.
Milhões de brasileiros foram reforçar que sua liberdade de ir e vir e de expressão não está sob negociação. Jornalistas presos sem processo adequado, sem defesa ou até mesmo sem direito à representação por um advogado, juntam-se a estrangeiros detidos sem pudor, deputado e líder partidário, todos tendo em comum a mesma violência, a mesma presunção antecipada de culpa e o mesmo tratamento, tão sumário quanto cruel. Juízes desatinados – que deveriam ser exemplares em boas condutas – provocam o caos e demonstram o quanto sua profissão foi mal escolhida e tem sido mal executada.
Injustiça que me lembrou de George Jackson, uma das mais expressivas lideranças da luta do povo negro em todos os tempos, que foi assassinado, aos 30 anos, na prisão de San Quentin, Califórnia. Aos vinte anos, foi acusado de assaltar um posto de gasolina, no qual teria roubado 70 dólares. Preso, recebeu uma condenação incomum: deveria cumprir de um ano a prisão perpétua, isto é, sua liberdade só seria concedida quando as “autoridades” julgassem conveniente. Passados oito anos de prisão, declarou: “A paciência tem limites. Além disso, é covardia.”
O medo de que temos de agentes da injustiça, o medo que temos de resistir, de fazer e defender o que é certo é covardia. A paciência, neste caso, é “grosseiramente ineficaz”, como diria Thoreau. Do dia 8 em diante, as coisas têm que mudar. A paciência, assim como o medo, tem que acabar.
Glauco Fonseca é consultor de marketing*