Uma iniciativa porto-alegrense foi destaque no painel “Investimento em diversidade”, realizado na manhã desta quarta-feira, 4, no South Summit Brasil: o Afroya Tech Hub, espaço voltado para inserção, desenvolvimento e ascensão de negros e negras na indústria de tecnologia e inovação. O case foi apresentado pela CEO, Andreza Rocha, que falou sobre os desafios de preparar lideranças negras para um mercado marcado de alta competitividade, mas que ainda sofre com a falta de diversidade.
A conversa, mediada pela presidente do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), Leany Lemos, também contou com a participação da líder na área de Investimento em Inovação e Sustentabilidade do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Anita Fiori, e do head do Google para Startups na América Latina, André Barrance. Em suas falas, todos ressaltaram que a diversidade é um pilar fundamental para a inovação, pois proporciona diferentes visões sobre um mesmo produto, fazendo com que a solução desenvolvida possua ainda mais relevância no mercado.
De acordo com relatório “Afrodescendentes na América Latina”, elaborado pelo Banco Mundial, 23,4% da população da América Latina é afrodescendente – percentual que chega a 50,7% no Brasil. No entanto, essa realidade não se reflete no mundo dos negócios, mesmo nas áreas voltadas à inovação e ao desenvolvimento de novas tecnologias. O Afroya Tech Hub oferece suporte e direcionamento a profissionais negros em busca de ascensão, lideranças técnicas ou profissionais em posições executivas que desejam redesenhar seus planos de carreira.
O projeto estabelece a conexão entre as companhias e a comunidade negra, trabalhando em áreas como prospecção de lideranças, mapeamento de talentos, curadoria de eventos, educação, letramento racial, comunicação para a diversidade racial e mentoria. Através do Afroya também são desenvolvidas capacitações em tecnologias como inteligência artificial, ciência de dados, machine learning e big data. “Eu sou a única pessoa com esse fenótipo específico aqui no painel, seja no palco ou na plateia. E isso é naturalizado nesse país. É preciso mudar esse quadro, onde pessoas negras não se veem representadas mesmo quando consomem, investem, geram empregos e renda”, frisou Andreza.
Atualmente, o BID é o maior investidor institucional da América Latina, possuindo mais de 50 fundos de venture capital (capital de risco). O Brasil é o destino de cerca de 10% dos recursos do BID Lab – laboratório de inovação cuja missão é impulsionar a inovação para a inclusão na América Latina e Caribe. De acordo com Anita Fiori, é possível observar o desempenho positivo de empresas que possuem equipes plurais, que observam questões como a participação de mulheres, pessoas de diferentes etnias e backgrounds variados. “Quanto mais diverso for o ambiente em uma startup, mais produtiva ela será e mais atrairá a atenção dos investidores”, garantiu.
No Brasil, de acordo com o Instituto Locomotiva, 29% dos negros no mercado de trabalho são donos do seu próprio negócio. No entanto, segundo o estudo “O Empreendedorismo Negro no Brasil”, desenvolvido pelo Preta Hub em parceria com o Plano CDE e o banco JP Morgan, cerca de 30% desses empreendedores tiveram crédito negado sem justificativa. O projeto Black Founders Fund, iniciativa da Google presente em diversos países, visa combater essa escassez de oferta de crédito, investindo em startups fundadas e lideradas por empreendedores negros e negras. “O ecossistema de inovação se baseia em três coisas: o acesso a recursos, reputação e conhecimento sobre como fazer um negócio digital do zero. Se você é um empreendedor e não pensa em negros e mulheres, você está deixando de fora mais de 50% da população. Essa é uma visão míope, enviesada, que não dialoga com a inovação. Queremos mudar isso. O Google endossa os negócios que possuem potencial e dá acesso à expertise que a empresa possui”, afirmou.
Papel do poder público – Apostar na inovação como ferramenta para o desenvolvimento é uma das prioridades da Prefeitura de Porto Alegre. O tema vem sendo trabalhado de forma transversal, através de projetos que têm como objetivo desburocratizar a máquina pública e transformar a capital num ambiente qualificado para o desenvolvimento de startups. Após o painel, Anita Fiori e Andreza Rocha falaram sobre como o poder público pode servir colaborar com o fortalecimento de um ecossistema robusto e competitivo.
Para Andreza, é necessário conhecer a realidade local para poder desenvolver projetos assertivos e que dialoguem com a realidade do município. “É preciso saber quem são as pessoas que trabalham com inovação, fazer o mapeamento local. A partir de então, de posse dos dados que ajudarão a conduzir as políticas públicas, se define o que é mais urgente. Tudo isso ocorre com base nas expertises identificadas, necessárias para o endereçamento das ações, de acordo com o que é mais urgente”. Para a CEO do Afroya, é necessário frear aquilo que chama de “fuga de cérebros” na área de tecnologia e inovação, movimento que ocasiona a saída de profissionais capacitados para atuar em outros estados. Paralelamente, também é preciso investir em capacitação e formação, assim como apostar em empresas e projetos já existentes na cidade. “Assim como eu, existem muitas outras pessoas desenvolvendo trabalhos de extrema relevância em Porto Alegre”, acrescentou.
Anita, por sua vez, salientou que é hora de avançar no debate em torno do ecossistema de inovação. “A gente já sabe viu que funciona, que o mercado de venture capital vai muito bem. No entanto, identificamos falhas, como a falta de diversidade. Se nada for feito, estaremos concentrando renda ao invés de distribuir. A única forma de você evitar essa concentração de renda via inovação é tornar o ecossistema mais representativo”, destacou. Dentro desse contexto, a representante do BID pontuou que o setor público precisa servir como força motriz, criando as condições para o desenvolvimento das startups. “É um bom negócio em termos financeiros, mas também em termos socioeconômicos. O poder público é fundamental, pois pode firmar parcerias e criar as políticas necessárias para a atração do setor privado, fortalecendo o mercado e atuando como agente regulador”, completou.
PMPA