O Brasil está vivendo, certamente, um problema crítico de linguagem. Descrevem-se os acontecimentos com palavras que não servem para mostrar o que de fato aconteceu; é claro que o resultado dessa disfunção é um tumulto mental maciço, que leva, como em geral ocorre em casos assim, a raciocínios de baixa qualidade e a decisões piores ainda. É o que está acontecendo com o “golpe” e os “golpistas” da baderna destrutiva do dia 8 de janeiro – e, agora, com a história alucinada de uma operação para gravar conversas de um ministro do STF com o propósito de impedir a posse do atual presidente da República, ou coisa parecida. Nem o “golpe” é golpe nem os “golpistas” são golpistas – não conseguiriam, agindo como agiram, derrubar a diretoria de um clube de bocha. Somando-se uma coisa com a outra, obtém-se uma comédia de circo, ou, então, o pior golpe de Estado da história universal dos golpes de Estado.
Golpes de Estado exigem um líder, um plano coerente de ações concretas, tanques na rua, a designação clara de quem faz o que, quando, como e onde, o controle do abastecimento de combustíveis e uma porção de outras questões práticas. O golpe de Brasília seria o primeiro em que o líder foge para o exterior antes de dar o golpe – quem já viu uma coisa dessas? Também não há precedentes de alguém que tenha querido tomar o governo quebrando vidraças, cantando o Hino Nacional e atacando estátuas de Rui Barbosa. E a palhaçada da armação secreta para comprometer o ministro do STF? Os golpistas iriam anular o resultado da eleição, ou manter o ex-presidente na sua cadeira, mostrando uma fita gravada? Em suma: o golpe de Estado, tal como ele tem sido descrito até agora, poderia levar a qualquer coisa, menos uma – o golpe de Estado.
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