Porto Alegre, segunda, 30 de setembro de 2024
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Morre o ator e escritor Zeca Kiechaloski

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Além de ator e escritor, Zeca foi servidor da Justiça do Trabalho. Foto: Acervo pessoal

 

 

Morreu nesse sábado(14) vítima de uma parada respiratória, uma das pessoas mais cultas e verdadeiras que conheci – o que tinha que dizer, dizia -.  Convivi com Zeca Kiechaloski, menos do que gostaria, mas sempre que nos encontramos foi com intensidade. Servidor aposentado da Justiça do Trabalho, teve uma longa carreira nas artes do Rio Grande do Sul.  Zeca foi ator de teatro e cinema e deixa livros sobre artistas como Elis Regina – entre as pessoas que conheço o maior fã e conhecedor da carreira da cantora gaúcha- e outro sobre o diretor de Teatro, Luis Paulo Vasconcellos. Era expert ainda na obra de Vera Karam, dramaturga e atriz, autora de peças premiadas como Maldito Coração, Me Alegra que Tu Sofras e Ano Novo, Vida Nova. Nunca foi um crítico de televisão, mas deveria ter sido. Escrevia divinamente sobre novelas e programas televisivos. Conhecedor de interpretação, direção e roteiros analisava com precisão de estudioso, mas palavreado de telespectador. O olhar dele transcrito parecia o de alguém que via TV ao nosso lado com elogios diferenciados para as grandes cenas e ironias que nos faziam rir sobre problemas grotescos, que poderiam passar despercebidos para outros, não para ele, seus olhos e língua ferida.

Lembro de Zeca, no Birra&Pasta – restaurante de Porto Alegre -,  me dando dicas preciosas de como apresentar telejornais e também das histórias da filmagem de “Verdes Anos”, ” Aqueles dois”, ” Sonho sem fim”, “O mentiroso” e outros filmes que participou. No Teatro a participação em peças é extensa – clique aqui e confira -. Era daquela trupe de atores, que marcava quando entrava no palco. Zeca não veio ao mundo a passeio. Onde chegava se fazia notar com sua maneira peculiar de acarinhar os amigos e contar histórias que prendiam a atenção de todos em sua volta.

O ator, diretor e amigo de Zeca, Zé Adão Barbosa escreveu em suas redes sociais, ” Zeca, sempre te chamei de “Nascimento” e tu adoravas. Vai fazer falta tua gargalhada, tua cultura, tuas críticas ácidas, teu “desaforamento”. Penso na Elis, deve te receber com muito carinho e lembrar de quando vocês passeavam de braços dados pela rua da Praia. Lembra de uma das nossas favoritas? “A barra do amor, é que ele é meio ermo. A barra da morte é que ela não tem meio termo.” Vai em paz, amigo querido.”

O corpo de Zeca será cremado nesse domingo(15). Os atos fúnebres acontecerão entre 08h e 11h30, no Angelus Memorial e Crematório (Avenida Porto Alegre, 320, bairro Medianeira)

 

Zeca escreveu vários textos que foram reproduzidos no meu site nos últimos anos. Entre eles esse sobre Elis, sua paixão…

 

Elis e Eu; por Zeca Kiechaloski*

 

Muita já se disse sobre Elis Regina. Muita coisa já se escreveu sobre Elis Regina. Muito mesmo. Mas sempre ficava faltando alguma coisa, sempre me batia um certo desconforto em saber que pessoas íntimas dela iam ouvir, ler e ver estes depoimentos. Sempre ficava faltando alguma coisa. Não falta mais. Seu filho mais velho, João Marcelo Bôscoli, acabou com a curiosidade. Afinal, ninguém melhor do que ele para dizer coisas sobre sua mãe.

O livro é uma grande ( e bem escrita, por sinal ) declaração de amor. Quase uma carta. Um reencontro. João esparrama seu amor e admiração em todas as páginas. Sem nenhuma vergonha de se expor da forma mais aberta possível. Ali está um filho amoroso declarando sua paixão pela mãe que perdeu. Foram apenas 11 anos, 06 meses e 19 dias ( subtítulo do livro ) de convivência, mas que valeram por 22 anos, 12 meses e 38 dias. Ou mais. João mostra a ferida ainda aberta que é, e sempre será, a morte de Elis.

Nunca ninguém poderia imaginar o que este menino de onze anos passou depois do ocorrido. Ninguém. Rita Lee em seu belo prefácio afirma que se soubesse na época dos acontecimentos, teria pegado João Marcelo para criar. Acredito que ela não está sozinha nesta afirmação. Não sei porque, mas o sofrimento de um quase adolescente é sempre mais doído. É uma quase criança sofrendo como um quase adulto. Não dá para avaliar o que se passou na cabeça dele por muito tempo.

O primeiro capítulo é de uma dor imensa. Do tamanho do mundo. O mais triste é ele pensar quando viu ( escondido ) pela primeira vez a droga entrando nas entranhas de sua casa, que se ele tivesse tomado alguma atitude talvez o fim seria outro. Um complexo de culpa irreparável. O livro é um beijo partido. Um abraço desfeito. Um adeus não dado. Uma lágrima no meio da face, que não vai até o fim, porque não existe fim. Engole o choro e corre para ler.

*Zeca Kiechaloski, ator, amigo e fã de Elis*