Porto Alegre, sábado, 27 de abril de 2024
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Artigo: 'E a salvação da lavoura?'; por Dirceu Bayer*

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Muito se fala do agronegócio como pilar da economia brasileira, como a “salvação da lavoura”. Certo, mas onde está a indústria transformadora, aquela que gera renda, que transforma os grãos em produtos de valor agregado, em alimentos na mesa dos brasileiros, que gera impostos para o país e cria milhares de empregos aqui?

A Languiru está localizada em região identificada como o segundo maior minifúndio das Américas, e mesmo assim somos uma das maiores cooperativas do Estado, empregando 3,4 mil pessoas, com faturamento de R$ 2,9 bilhões e a geração de aproximadamente R$ 150 milhões em impostos nas esferas municipais, estadual e federal. Ao mesmo tempo, como Cooperativa, estamos enraizados na nossa região e no RS, garantindo que todos os recursos gerados sejam reaplicados localmente, movimentando toda economia.

No entanto, as indústrias do agro nunca foram preocupação dos governos. Quando se fala em agronegócio, a referência é à produção de grãos, commodities que geram riquezas no exterior e, o pior de tudo, depois são importadas na forma de produtos industrializados.

Sim, as exportações são importantes, a própria Languiru também comercializa seus produtos para o mundo, mas há a necessidade de uma política que beneficie o setor da indústria e que tenhamos um estoque regulador de matéria-prima, principalmente de milho e de soja. Hoje, as estruturas de armazenagem, tão necessárias, não existem mais, e o RS é obrigado a comprar essa matéria-prima de outros Estados, visto que não é autossuficiente, o que onera o custo de produção. Saudades do tempo em que o Governo trazia milho de outros Estados para atender seus pequenos produtores da agricultura familiar por meio das estruturas da Companhia Estadual de Silos e Armazéns (CESA). Saudades também da época em que tínhamos recursos subsidiados a taxas mais módicas, o que possibilitou que os produtores rurais e as agroindústrias investissem muito naquela época, e hoje se perdeu, com taxas inacessíveis.

Também é desanimador a perda de competitividade da indústria gaúcha para Estados vizinhos, como Santa Catarina e Paraná, que “invadem” o RS com seus produtos, principalmente a proteína animal. É necessário revermos questões tributárias.

A cadeia leiteira, importantíssima para a agricultura familiar, emprega milhares de pessoas e também se depara, de uma hora para outra, com cenário desanimador a partir das importações de leite em pó e derivados por parte dos grandes players, postura que acaba desalocando milhares de famílias que sobrevivem da atividade. O déficit nessa balança comercial é de 58,3 mil toneladas de leite e derivados de janeiro a agosto de 2022, conforme dados do Sindilat/RS. O Estado exportou 25,3 mil toneladas nesse período, mas importou 83,6 mil toneladas no mesmo espaço de tempo.

Além disso, no momento de seca, que afeta todas as cadeias do agronegócio, especialmente do leite, o governo retira incentivos fiscais, como créditos presumidos na ordem de 5% ao ano a partir de 2022.

A compra de milho, ainda, e de embalagens para a indústria de laticínios, oriundas de outros Estados, visto que o RS não possui empresas do ramo, prejudica tributariamente a Cooperativa. Em virtude disso, impossibilita a utilização do crédito presumido de ICMS na sua totalidade. Esses fatores igualmente elevam o custo de produção, além de aumentar os investimentos em logística.

Pergunto: não seria o momento de sobretaxar as importações acima dos 4%, que não são suficientes, para frear ou, ao menos, reduzir as importações?

Governos, imprensa, consumidores e comunidade precisam ter o entendimento dessas questões. O cenário negativo afeta a todos nós.

Somos uma Cooperativa extremamente diversificada, com plantas industriais automatizadas nos segmentos de aves, suínos, leite e bovinocultura de corte, além de contarmos com moderna fábrica de rações e ampla estrutura de varejo. Mas tudo isso não chama a atenção dos responsáveis pela condução das políticas do setor primário. Já não basta mais uma gestão eficiente, pois nos deparamos com problemas crônicos que requerem medidas urgentes para salvar empregos, gerar renda e impostos tão necessários para nós brasileiros.

 

 

Dirceu Bayer*

Presidente da Cooperativa Languiru